terça-feira, 22 de julho de 2008

SERIA CÔMICO, NÃO FOSSE TRÁGICO

Saint-Jean-Pied-de-Port

Vocês sabem que tudo começou com o grande sonho: Fazer o Caminho de Santiago de Compostela. Daí passei anos recolhendo material, estudando, lendo, assistindo, etc. tudo o que se relacionava com o Caminho, até que eu e a Cristina, enfim pusemos o pé na estrada. (vide capítulos anteriores)
Como tinha na memória tudo sobre a peregrinação, as pessoas com as quais iríamos encontrar acabaram se tornando grandes amigas, embora elas não soubessem disto.
Chegando ao aeroporto de São Paulo, o primeiro imprevisto: depois de horas de espera, o aviso que nosso vôo havia sido cancelado. Ficamos nós, duas “senhoras” de meia-idade, de “terninho” preto (só diferenciava pela gola, no mais parecia uniforme), sapatinho e mochila nas costas. Fomos para o hotel, só com a roupa do corpo, para, no dia seguinte, pegarmos o vôo.
Como boa mineira que minha amiga é, resolvemos ir para o aeroporto umas três horas antes do previsto. Passeia pra cá, anda pra lá, resolvemos comprar uma “lembrancinha” para a Madame Debrill (em alguns lugares seu nome aparece com apenas um “l”), a primeira pessoa que iríamos encontrar, citada em todos os livros, lenda viva do Caminho. Como gringo gosta muito daqueles bichos de pedra, escolhemos um pequeno tucano, bem colorido, e lá fomos nós, rumo a Madri, com o tucano na bolsa.
Em Madri saímos do aeroporto, nós e Deus, e decidimos que a partir daquele ponto acabariam as mordomias, assumiríamos nossa condição de peregrinas, então, sem conhecer nada, pergunta daqui, indaga ali, chegamos à rodoviária, onde pegamos um ônibus para Pamplona para, dali, seguirmos para Saint-Jean-Pied-de-Port, que fica na França e seria nosso ponto de partida. Sabíamos que seria difícil conseguir ônibus, pois só tem um, e o melhor seria tentarmos dividir o táxi com outros peregrinos (facilmente reconhecíveis pela indumentária e mochila, claro!).
Chegando em Pamplona fomos verificar o horário do ônibus: só teria às 18:00 h, o que inviabilizaria nossos planos, pois tínhamos receio de chegar à noite, sem conhecer nada. Partimos para conseguir um táxi, quando, encostado numa pilastra, um peregrino nos pergunta, com um forte sotaque:
- “Ustedes” van a Roncesvalles?
Cristina, na mesma hora respondeu:
- Si, vamos, usted también?
- Si, si... respondeu o rapaz
- Perái, você é brasileiro... (diz a Cristina)
- Sim sou, responde o rapaz...
- Então porque estamos falando em espanhol?
Demos boas gargalhadas, comentamos a coincidência de termos nos encontrado e explicamos que nós iríamos para Saint-Jean, mas que toparíamos dividir o táxi com ele até Roncesvalles e de lá seguiríamos sozinhas.
Nos apresentamos e iniciamos viagem. Pelo caminho íamos falando com Maurício (paulista):
- Ah! Você tem que começar pela França, atravessar os Pirineus, é lindo (como se conhecêssemos)...
- Imagina, ter sua credencial carimbada pela Madame Debrill, uma das pessoas mais importantes do Caminho...
- Perder a oportunidade de conhecer uma cidade da França..., etc... etc...
O Maurício retrucava:
- Mas eu não conheço nada sobre esta parte do Caminho,
- Eu não falo francês...
Ao que Cristina retrucou:
- Eu falo, não se preocupe...
Tive que me esforçar para não cair na gargalhada, realmente ela fala francês:
- Pardon, Monsieur, s’il vous plaît...e emenda o resto em português... e mais nada.
Passamos o percurso tentando convencê-lo a ir conosco. Nada feito, chegando em Roncesvalles descemos do táxi, pagamos e fomos descobrir o telefone para chamar outro táxi que nos levaria até Saint-Jean. Anda pra cá, corre pra lá e nada. Daqui a pouco chega o Maurício: -
Resolvi ir com vocês, o táxi nos leva até lá.
Maravilha! Pensamos. No mínimo devia estar passando pela cabeça dele: Eu sou macho ou não sou? Como essas duas velhas se aventuram a ir para a França e eu, que sou homem com H maiúsculo não vou também? E todas essas conjecturas machistas... Para nós estava ótimo...
Chegamos em Saint-Jean. Eu “muito culta” sobre o Caminho fui logo falando:
- Não se preocupem, eu sei onde é. É só atravessar a ponte, subir esta rua, é um sobrado de janelas verdes...
E saí andando na frente como se estivesse na minha cidade natal. Acontece que a Cristina não confiou muito em mim e também ela adora pedir informações... Daí, no meio da ladeira, ela grita para um senhor do outro lado da rua:
- Monsieur, Madame Debrill?
- Madame Debrill et mort.
- Kátia, Madame Debrill morreu! Fala-me a Cris com os olhos arregalados.
- Deixa de ser boba Cristina, como ela morreu? Você nem sabe francês... respondo.
- O que? Você não fala francês? Indaga Maurício já assustado.
- Falo sim... desconversa a Cris.
Mais umas perguntinhas e chegamos ao albergue, que não era a casa da Madame Debrill o que já me deixou desconfiada. Somos recebidos por um casal francês, os Marchiset. Num espanhol claudicante pergunto pela Madame Debrill, ao que a Maitëna me responde:
- Madame Debrill es muerta.
Foi a senha, eu comecei a chorar inconsolavelmente, acompanhada pela Cristina, claro! Os franceses, sempre tão impessoais e distantes, não sabiam o que fazer com a gente... Eu chorava e falava: - Nós trouxemos um presente para ela... e chorava mais – Eu queria tanto conhecê-la... e chorava mais ainda. Nesta altura Monsieur Marchiset já havia levantado e estava me abraçando e me consolando como se a morta fosse uma pessoa da minha família.
- Ela não sofreu, foi de repente... dizia-me ele, chorando comigo.
O Maurício assistia a tudo, encostado numa parede e imaginando “Onde fui amarrar minha égua, essas mulheres são doidas, onde já se viu chorar assim por uma pessoa que elas nem conhecem. Ah! Se arrependimento matasse...”
Depois de muita choradeira, Maitëna me pergunta se eu não quero ir lá ver a Madame Debril, que havia morrido há três dias: Claro, respondo, no que sou acompanhada pela Cris. Maitëna propõe que deixemos as mochilas no albergue e que nos levaria até lá. O Maurício, sem saber o que fazer, resolve nos acompanhar, claro! Vamos nós pelas ruas, eu abraçada à francesa, querendo saber detalhes da morte, acompanhada pela Cristina e Maurício. Até então eles (Cristina e Maurício) estavam pensando que ela nos levaria até o cemitério. O Maurício, que só muito tempo depois ficamos sabendo que morre de medo de cemitério, mortos, etc devia estar pensando: Quando chegar lá elas entram e eu fico do lado de fora... Só que na Europa o costume é outro, quando se morre alguém, o corpo é embalsamado e fica na funerária por uma semana, para as pessoas visitarem, se despedir, e só depois então é que é enterrado.
Chegamos numa casa, sem nenhuma indicação, nem uma placa, nada, a Maitëna entrou e nós a seguimos: Surpresa: A Madame Debril estava esticadinha, numa cama, toda arrumadinha dentro do que que pareceu um casulo de matelassê de cetim branco. O Maurício ficou branco que nem o cetim, encostou na parede e a gente não sabia o que era Maurício e o que era parede. Eu desandei a chorar outra vez, a Cristina, que é professora de yoga e adepta a meditação, práticas indianas, começou a entoar um mantra. Eu não podia deixar minha amiga sozinha, cantei com ela o mantra, choramos bastante, peguei o tucano de pedra, tirei da sacolinha e coloquei sobre a defunta. Nesta altura o Maurício já devia estar pensando uma maneira de ficar livre de nós...
Nos despedimos e fomos embora.
Começamos o Caminho no dia seguinte (acompanhem os próximos capítulos), passamos por inúmeras dificuldades e dias depois, já em Puente La Reina, encontramos com dois irmãos brasileiros: José Carlos e Jairo. Conversa vai, conversa vem, eles nos perguntam: Vocês viram a Madame Debrill?
- Vimos sim, e vocês?
- Nós vimos, chegamos lá no dia do enterro... Tinha muita gente... Só não entendemos uma coisa.
- O quê?
- Tinha um tucano de pedra sobre a defunta. Até ficamos pensando: Isto está parecendo coisa de brasileiro...
Eu e Cris começamos a pular e dançar, e dizíamos:Fomos nós... fomos nós... rindo prá valer.

9 comentários:

Dry Neres disse...

rsrsrsrs...
Você me arrancou boas gargalhadas!!
Mas e o Maurício?rsrs..
A cada nova história, você me instiga mais e mais... FIco imensamente feliz pelo "tucano de pedra que os gringos tanto gostam", ter tido morada em cima da Madame Francesa..
Um beijo Kátia, doce e encantamento que até a semântica desconhece!!
=)
Dry Neres

Jacinta Dantas disse...

hahahahaha!
entre choros e mantras, muita risada dá o tom da sua "aventura". Que legal Kátia. Esses momentos ficam prá sempre enfeitando os nossos dias.
Beijos

RENATA CORDEIRO disse...

Você também inventa, não é, Dona Kátia?
Fiz nova postagem. É sobre um filme que todo mundo já deve ter visto, mas acho que é a minha melhor resenha.
Apareça aqui:
wwwrenatacordeiro.blogspot.com
não há ponto depois de www
Um beijo,
Renata

Anônimo disse...

O Lindinho!!!!


Eu tô A-M-A-N-D-O a série do Caminho!!!!

Histórias incríveis!
ô saudade de vcs!!!!


bjoooooo

Anônimo disse...

tu escrevee supeer beem \o
soh naum li tudo ahuuahauh
xd

http://imensidadx3.blogspot.com

Tell Aragão disse...

kkkkkkkkkkkkkk
você é mais doida do que eu...
e o coitado do Maurício, tadinho...
você tem contato com ele hoje em dia?

Defensor disse...

Salve,
Desculpe a ausência forçada.
Estive a ler os posts sobre o Caminho. Muito show. Devo confessar, ainda que me entristeça, que a primeira vez que ouvir falar sobre ele foi no livro do Paulo Coelho...
Abraços

mundo azul disse...

...estou viajando um pouquinho com vocês!!!

Beijos no seu coração e muita alegria!

Anônimo disse...

rsrsrrsrrrsrs...nao tem nada de trágico...se eu tivesse com voces teria me divertido bastante...rsrs..chorei de rir

Quero encontrar pessoas que positivas assim...