quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

TRIACASTELA – SARRIA

FALTAVAM-NOS 132 QUILÔMETROS

Caminho San Xil - Calvor


Em Triacastela, remoendo meu complexo de inferioridade, minha culpa, minha dor e tudo o mais que me fez sentir a pior das criaturas, sem contar a vergonha, sem saber como encarar as pessoas, fiquei ali, naquele bar, por horas, remoendo... Mas uma coisa eu tinha certeza, não me esconderia nem fugiria do inevitável.
Então, à medida que os amigos peregrinos chegavam e me enchiam de carinho, compreensão, afeto, fui, aos poucos, percebendo que todos esses sentimentos estavam realmente somente dentro de mim.

Parêntesis 1: A gente passa tanto tempo na vida julgando com rigor as ações dos outros que não se dá conta que o que a gente mais condena são justamente onde estão nossos pontos fracos. Condenamos porque nos vemos na possibilidade de cometer os mesmos atos.

Quando a Cris e o Mauricio chegaram eu me joguei em seus braços e foi emocionante o reencontro. O modo como eles me receberam, o carinho com que cuidaram de mim... ultrapassa qualquer palavra que eu possa buscar, em qualquer idioma.
Dali, do bar, fomos ao albergue para cumprir as tarefas cotidianas, descansar um pouco e depois resolvemos ir à missa.
Foi a primeira vez que eu vi uma igreja cujo cemitério fica na entrada. Ou seja, para chegar até a igreja tem que atravessar por entre túmulos centenários, uma coisa meio mórbida. O Mauricio quando viu disse que não ia entrar... mas como eu não estava com espírito para brincadeira nem fiz onda com ele...
O Padre, ao final da cerimônia, veio cumprimentando um a um, todos os peregrinos que estavam na igreja (eu disse que peregrino é reconhecível em qualquer lugar! rs) e foi muito simpático conosco quando dissemos que éramos brasileiras.
Voltamos ao albergue e eu fui cuidar do meu pé. Estava horrível! Dava para ver o acúmulo de secreção por baixo da pele. Mesmo os antibióticos (oral e local) não estavam fazendo efeito. O Jorge (o da carona) havia dito que era necessário abrir, mas que teria que ser feito em hospital. Ou seja, eu tinha que dar um jeito de chegar até Santiago, nem que fosse voando na minha vassoura de bruxa.
No dia seguinte, eu e Micheline mandamos nossas mochilas de táxi até Sarria. Decidi que me pouparia ao máximo.

Parêntesis 2: Existem dois caminhos que levam a Sarria. Um passa pelo Monastério de Samos e é só trilha, sem nenhum povoado. Outro, apesar de ter mais subidas e descidas, passa por San Xil e Calvor. Optamos pelo segundo.

Fonte San Xil

O caminho é lindo, várias partes repletas de árvores centenárias, canto de pássaros... o ruim foi que tinha uns atoleiros e uma danada de uma catinga de “mierda de vaca” (eu tampava o nariz com um lenço e saía correndo, dentro do possível, para não fazer vômito).

Parêntesis 3: Acho que se tivesse que viver naquelas condições eu morreria! As pessoas moram no segundo andar das casas e o abrigo dos animais é embaixo... insuportável! Acho que eles nem sentem mais o cheiro!

Chegada a Sarria

Chegamos a Sarria. É uma cidade pequena, mas linda! Tem uma ruazinha para pedestres, chamada “Paseo dos Peregrinos” que fica às margens do Rio Sarria, com sua ilha, cachoeira artificial, cisnes, gansos... uma maravilha!
Isso sem contar com as pessoas nas suas melhores roupas, as mamães e suas filhinhas vestidas de bolo de casamento, os jovens paquerando...
Passamos por um restaurante e vimos as fotos dos pratos que eles serviam. Cada paella mais bonita que a outra. Fomos ao supermercado, fizemos nosso abastecimento para o dia seguinte, voltamos ao albergue, colocamos nossas melhores roupas (tentando disfarçar, claro!) e voltamos ao restaurante!
Comemos feito reis!
Voltando ao albergue encontramos a Angeles que convidou-nos a caminhar à noite. Era lua cheia. Tinha uma turma que ia fazer o percurso à luz da lua. O guia dizia que o trecho era úmido e escorregadio. Eu nem cogitei a hipótese, não poderia correr mais riscos. A Cris ficou muito tentada, mas como estava ainda meio gripada desistiu.
Ficamos sentados na porta do albergue conversando, quando um peregrino que não conhecíamos disse que seu amigo, que também estava no grupo, roncava muito... eu pensei que roncava como todos os outros... e, tentando não dar muito na vista, entabulei uma conversa perguntando de onde eles eram, qual o trecho que fariam no dia seguinte. Daí o cara, que de bobo só tinha a cara, virou para mim e perguntou se eu queria saber para não ficar no mesmo albergue que eles. A Cris quase desmaiou de vergonha quando respondi:
- Acertou em cheio! Estou fugindo de incômodos. Se vocês ficam, eu vou!
Ainda bem que ele levou na brincadeira, mas refizemos nossa programação para ficarmos bem longe deles.

Sarria - Albergue

21 comentários:

Vanuza Pantaleão disse...

Kátia, amiguinha amada!
Olha, nunca confessei, mas vou fazê-lo agora: sempre que chego aqui tenho medo...isso mesmo, sinto receio de não conseguir comentar à altura do que capto, tal a importância dos conceitos e sentimentos que transbordam das tuas narrativas. Terreno Sagrado, sinto-me pisando com meus pés também sangrando e sujos nessa Terra Santa do teu espaço. O peso da responsabilidade em dizer palavras que sensibilizem me perturba a alma. Não sei se sou diferente ou exagero, mas com certeza, o que relatas aqui jamais será dito dessa forma em livro algum.
Um abraço bemmmm emocionado!
DEUS ESTARÁ SEMPRE CONTIGO!!!
Mil beijinhossss

Ana Lúcia. disse...

Katiamiga!
No início, quase fui encontra-me com as lágrimas.
Senti dor.
Senti um arrepio de medo.
Um pavor por aquele pé doído pelas doideiras...
Pensei na igrejinha mórbida...
Mas, não demorou para as gargalhadas brotarem e desabrocharem...
A melhor roupa????
Fartar de comer... Hummm
E o final?? "pura comédia"!!
Você fez uma composição perfeita: da dor a alegria.
Gostei um tantão!!
Deixo aqui, merecidamente, meu beijãozinho e aquele abração apertadinho.
Paz! Sorrisos! Vida!

Vanuza Pantaleão disse...

Acho que entendi o lance do cemitério à frente da Igrejinha. Se não for coisa da minha cabeça, deve ser uma mensagem sutil, espiritual mesmo sobre a Humildade, sobre a morte da carne e o renascer do Espiríto. Já tive pavor de cemitério e da morte física, mas estou apaziguada interiormente, sabia? Não, não que a deseje, mas "algo" me acalma e afasta o temor.
Gostei da "igrejinha mórbida"! Talvez devesse ser chamada de Igreja da Verdadeira Vida, seria por aí?
Essa menina é demais!!!

Pelos caminhos da vida. disse...

Vim deixar um abraço para vc amiga,não sou uma boa interprete para suas postagens,mas tiro o chapéu para vc amiga.

Um gde abraço.

beijooo.

Paula Barros disse...

Dessa caminhada, que não me faz calo mas me faz pensar, levo comigo, o quanto nós mesmos nos cobramos, nos julgamos, nos exigimos.

E já dizia algum psicólogo, ou filósofo, que o que nos incomoda nos outro é algo de nós mesmos.

abraços e linda quarta.

Nadezhda disse...

Concordo com o seu parêntese 1!

Sobre o cheiro, não lembro quem me falou, mas as pessoas acostumam e nem sentem mais.

;)

Heduardo Kiesse disse...

amiga, com toda a sinceridade, neste momento encontro-me com o relógio apressado mas não quis sair sem pelo menos te cumprimentar, deixar uma manifestação de respeito pelo teu trabalho merecedor de uma apreciação mais atenta...
beijinhos fraternos de amizade e estima!

Heduardo

Vanuza Pantaleão disse...

Amiga é uma "responsa"! Uma pessoa que consegue ver e FOTOGRAFAR o Santo Graal, há que se ter Respeito, embora eivado de carinho e bom humor...não é simples força de expressão quando lhe digo que "O CAMINHO NÃO TERMINOU EM SANTIAGO", mas se estenderá por onde fores.
E aqui estamos para refazê-lo contigo, para nos apoiarmos nessa dura caminhada virtual, pelo menos para mim...
Beijos, Amiga!!!

mundo azul disse...

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Minha amiga Katia...Já estava com saudades de ler suas histórias!

Senti as dores dos seus pés... Não deve ter sido nada fácil!


Beijos de luz e o meu carinho muito sincero...

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Eduardo Miguel disse...

- Quando os espelhos do corpo não nos agrada!!! enfrenta-los nos permite os espelhos da alma e o ser surge e ruge em renascer, Fenix das descobertas que ficam maior que as imagens refletidas com a grandeza do seu eu somem, descobertas de uma viagem que não acabou lá...e que ficou mais doce com o carinho e comprenssão de alguns!
- Kátia deixe-me agradecer pelo carinho e respeito que sinto em suas palavras, em seus comentários e nos detalhes de uma minúcia que as expressões deixam se não atentas escapar em oportunidades!!! sabe tem coisas ou há coisas que não se explica e sentir ou não sentir e olhar um munitor frio de um computador e dizer que dalí sai algo maravilhoso!!! o o cara é doido de varrer a lua ou é atento demais!!! agora se não sou louco e se sei que sinto isso, obrigado pela compania e por tudo desejo a você e sua família tudo de bom e que a vida lhe seja boa como você merece, beijos mil em sua alma doce...

Cecília disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cecília disse...

Katia...
Você escreve de uma maneira que nos faz sentir as emoções pelas quais você passou...
Senti um arrepio de medo e quase cheguei às lágrimas...

Beijo grande!
Muita paz!

dácio jaegger disse...

Kátia, lembrei-de tempos de criança quando nas férias ia para a fazenda de um tio: as vacas dormiam num estábulo sob a casa grande. Assoalho de madeira cheio de largas frestas. Sair de perto do ronco uma conquista. Abcesso no pé em marcha: pagamento de pecados? Beijus.

Jacinta Dantas disse...

Ei Kátia,
estou aqui, acompanhando seus passos, envolvendo-me no que está por trás das palavras.
Bjos

Zeca disse...

Kátia,

cada nova parte desta saga nos traz surpresas e nos faz repensar sobre várias coisas. Aquele cemitério à entrada da igreja me fez pensar na inevitabilidade da morte e no renascimento espiritual, na humildade de reconhecer nossa própria finitude e na alegria de entender nossa vida espiritual infinita.
Suas próprias dores e feridas levam à tomada de consciência da importância do caminho que estava percorrendo, uma vez começado, jamais terminado...
Cada leitura, novas emoções.

Beijos. Carinho.

Pelos caminhos da vida. disse...

Tem premio la para vc.

beijooo

Anônimo disse...

Ola, Katia!

rsrsrsr...santa esperteza do peregrino..rsrs..essa cena de vcs eu queria ter visto.

um beijo

Quero estar com você disse...

Tudo aqui mexe com o nosso inconsciente, até nos detalhes.Até no sofrimento dos teus pés inflamados.
Mulher vitoriosa,
Receba meu carinho!

ex-controlador de tráfego aéreo disse...

Oi Kátia!

Ando meio afastado das leituras "blogais", mas passar por aqui é prazer certo.
Ficaria muito tentado a uma caminhada dessas, sob a lua cheia, mesmo correndo risco de quedas ocasionais.
Um beijo com carinho!!!

Anônimo disse...

Para mim não há nada que nos proporcione mais cultura do que ler e conhecer lugares novos... Em seu blog podemos fazer as duas coisas!!

Anônimo disse...

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