Em 2009, quando ainda
não carregava esse fardo que me impede de voar, estive no Museu da Língua
Portuguesa, em São Paulo, para apreciar a exposição "Clarice
Lispector - A Hora da Estrela".
A montagem estava impecável, com televisores
mostrando os transeuntes da Praça da Luz, a voz de Clarice em sua última
entrevista, frases e imagens espalhadas de várias formas, documentos, tudo maravilhoso.
Mas o que realmente me encantou foi uma sala onde as paredes foram forradas,
literalmente, com 2.000 gavetas. O legal é que somente 65 delas abriam e os
visitantes tinham que descobrir os tesouros (frases, livros, documentos, etc.)
na imensidão das gavetas.
Não ouso falar sobre Clarice pois não estou
à altura de conhecimento para tecer algum comentário. Clarice era Clarice, e
só. Não haverá outra.
Mas o que eu quero falar é sobre aquelas
paredes de gavetas.
Elas me remeteram à minha memória, que
sempre disse ser um punhado de gavetas onde guardo minhas lembranças, imagens,
recordações.
Como as gavetas de Clarice algumas estão
emperradas, não abrem por mais que eu queira e tente, outras estão sempre
abertas e posso acessar pessoas, imagens, fragmentos da minha vida.
Algumas gavetas fiz questão de colocar fora
do alcance, talvez para evitar sofrimentos desnecessários.
Mas a mente é “mágico de circo”, quando
menos se espera tira-se alguma coisa da cartola, ou seja, uma gaveta
inacessível se abre, sem mais, nem menos, e traz uma lembrança que gostaria
ficasse escondida.
Foi o que me aconteceu essa noite.
Uma gaveta se abriu e você veio em forma de
sombras no meu sonho.
Não me assombrou, apenas continuou
acompanhando-me, sombra perene, mesmo depois de o sol se por.