quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

FONCEBADÓN – O MITO

DE RABANAL DEL CAMINO A MOLINASECA


Rabanal - Foncebadón - Caminho


Amanheceu muito frio. Minhas mãos estavam dormentes... Quando o povo do estábulo acordou, e aí estávamos eu e Maurício, o povo da Casa Grande já estava pronto. A Cris já estava cansada de esperar... perguntou se eu não me importava se ela seguisse na frente com a Graça, uma vez que havíamos combinado passar por Foncebadón juntas, e eu disse que não, que ela podia ir...

Parêntesis 1: Quando vamos para o Caminho em companhia de outra pessoa é igual a um casamento, é no dia-a-dia que a gente vai descobrindo as diferenças. Eu e a Cris descobrimos muitas diferenças, ela gostava de sair bem cedo, eu gosto de dormir até mais tarde, ela prefere o almoço, eu prefiro o jantar, ou seja, cada pessoa tem seu ritmo e a gente ou aprende a respeitar o ritmo do outro ou cria um abismo intransponível. Conhecemos amigas que foram juntas para o Caminho e lá se tornaram inimigas. Não souberam lidar com as diferenças. Eu e a Cris, apesar de tudo, voltamos com nossa amizade fortalecida. É como sempre repito: o amor que nos une foi maior que as diferenças que poderiam separar-nos.

Fizemos um lanche e saímos rumo a Foncebadón...

Foncebadón

Parêntesis 2: Foncebadón é uma cidade tida como abandonada e cheia de histórias e mitos. Paulo Coelho, em seu livro “Diário de um Mago”, primeira leitura para todo peregrino àquela época, narra que ali encontrou o demônio num cão, Legião, e sua luta com ele numa batalha pelo domínio do poder. É comum muitos peregrinos tomarem um desvio e não passarem por dentro de Foncebadón.

Para chegar até Foncebadón temos que atravessar uma cadeia de montanhas bem íngremes, subida difícil, muito frio e o medo pelo desconhecido. Mas não era ali que iríamos “dar para trás”.
Chegamos e logo à entrada tem uma placa que conta a história do lugar, como teve seu papel de destaque na rota, no século XI, como centro de acolhimento aos peregrinos no alto do Monte Irago e como aos poucos, foi sendo abandonada.
Na minha cabeça só ficava martelando a história dos cães, então eu fotografava com um olho e com o outro ficava vigiando. Não vou mentir, estava com medo sim! E eis que de repente, do nada, surgem três ou quatro cães, pelo menos foi o que me pareceu no momento, mas eles tinham um chefe, negro e seus olhos eram amarelos (o Mauricio está aí mesmo para comprovar a história). Eu tremia que nem vara de bambu! Mas sabia que ninguém iria acreditar na nossa história se não tivéssemos uma prova, e os seres parecidos com cães se aproximando, rosnando, eu gritava pro Mauricio:
- Fica quieto, não se mexe, deixa eu fotografar!
Mauricio gritava de volta:
- Tá louca, eu não vou servir de comida para esses demônios.
E o chefe de olhos amarelos, de repente, do nada, parou, encarou-nos, os outros fizeram o mesmo, deu-nos as costas e desapareceu.
A foto ficou uma porcaria! Mas está aí para comprovar.

Foncebadón - O Chefe da Quadrilha


Precisei de um tempinho para minha respiração voltar ao normal...
Seguimos pela Calle Real, paramos junto ao cruzeiro que deve ter muito séculos, observando aquelas ruínas... quanta história devem guardar aquelas pedras!

Foncebadón


Mais à frente vimos uma placa indicando alguma coisa habitada (havia postes e fios de energia, o que significava civilização). Logo no pátio da entrada, no chão, tem um mosaico meio místico, com uns desenhos, parece um cisne, símbolos, etc... era os primórdios do restaurante medieval Gaia, do Henrique... Mais uma vez me lembrei das palavras de Paulo Coelho, que disse que um dia Foncebadón ressurgiria de suas próprias cinzas.
Encontramos com um brasileiro que morava em Portugal, mas não consigo lembrar o nome, e ele nos disse que havia passado a noite ali...
Gente, só se tivesse fumado unzinho... era um salão enorme, ainda em construção, com coisas penduradas, pencas de alho, penas, galhos retorcidos, ramos de folhas, panelas, tudo que vocês possam imaginar... Conhecemos o Henrique, fizemos uma paradinha, recuperamos o fôlego e seguimos adiante, em meio à tristeza e desolação das ruínas contrastando com a exuberância da vegetação...
Logo adiante (uns oito quilômetros) chegamos à Cruz de Hierro, quase no ponto mais alto de todo Caminho, a 1.504 m de altitude. O ritual é, cada peregrino, depositar uma pedra a seus pés (já é uma montanha!) para pedir proteção para a viagem.

Parêntesis 3: É uma cruz simples, sobre um imenso tronco. Há séculos é tido como um lugar místico e se crê que a cruz atual substitui a original instalada por Gaucelmo (fundador de Foncebadón) sobre um altar romano dedicado a Mercúrio, Deus dos Caminhos.

Cumpri o ritual... Eu levei do Brasil quatro pequenas pedras: um quartzo rosa (amor), uma ametista (lilás, harmonia), um ônix (proteção) e uma ágata (fortalecimento). O ônix eu deixei nos Pirineus... Deixava agora o quartzo rosa na Cruz de Hierro.

Cruz de Hierro

Fiz uma pequena oração, tirei fotos e fomos embora. Encontramos com a Cris e a Graça...
Devo reconhecer que eu esperava sentir uma emoção maior. Esperava me emocionar mais ao chegar naquele lugar, mas o lugar não chamou minha alma... Devo ser mesmo diferente da maioria das pessoas...
Como fomos logo embora, elas resolveram ficar. A Cris não deve ter compreendido porque eu não fiquei mais tempo...
Logo adiante ouvimos um sino tocando. Era Tomás, hospitaleiro, que toda vez que se aproxima um peregrino toca seu sino para saudá-lo e para orientar os peregrinos em dias de neblina. Ele mantém um albergue simples, humilde, e está sempre pronto a ajudar quem quer que seja, também acolher a todos para um café e um dedo de prosa.

Manjarín - Refúgio do Tomás


De Manjarín, refúgio de Tomás, lugar que não tem mais nada, seguimos para El Acebo, onde paramos para um lanche rápido.

Manjarín - El Acebo


Daí foi enfrentar mais morros... a subida até que não foi muito difícil, mas a descida... insuportável! Eram pedras soltas, escorregávamos a toda hora, meus pés doíam até não poder mais, não dava nem para apreciar a paisagem, linda, por sinal, tamanha a dor que sentia.
Assim, aos trancos e barrancos, chegamos a Molinaseca.

El Acebo - Molinaseca


O refúgio fica na saída da cidade, o frio já havia passado, muitas pessoas se banhavam no rio que corta a cidade.
Eu só queria saber de um lugar tranqüilo para colocar os pés para cima... e costurar mais bolhas... e chorar mais lágrimas... e descansar para recomeçar no outro dia.

Monumento a um ciclista alemão, morto atropelado, neste trecho do Caminho



16 comentários:

Nadezhda disse...

Fiquei até com medo da história dos cachorros. Logo eu que brinco com todos que vejo pela frente, sem saber antes se são mansos ou não.

Eu não entendi muito bem qual é a história desse lugar dos cachorros.

;)

Kátia A. C. disse...

Katita, que sintonia: estava postando justamente na hora q vc comentou.
"Coisas das Kátias", como bem diria Gabizinha...tá bom, ela acrescentaria "maluquinhas" depois dos nomes.

Aquela tbém é minha vingança.
Agora q vou ver seu post: diazinha pesado ontem, rs.
Bj

Kátia A. C. disse...

Toda vez que leio seu post guardo uma frase. Sempre tiro um minuto p pensar sb elas, qdo estou mais quieta. E hj não foi diferente...

Precisamos conversar sb Paulo Coelho pessoalmente, rs...

Bj

Vanuza Pantaleão disse...

Saudade sinto eu, Kátia, mas ando tão atarantada com essas filas de banco, supermercado, enfim, que mal tenho um tempinho de dar a atenção que você e todos merecem.
Olha, sobre esses cães, esse trecho me interessou em particular porque no livro Diário de um Mago do Paulo Coelho, ele descreve uma luta quase de morte com um deles. Incrível, isso! Seria essa mesma cidade? Enfim, foste mesmo muito corajosa em fotografá-los...As fotos, como sempre, surpreendentes!
Ganhei o dia com a tua visita!
Beijos

Jardineiro de Plantão disse...

A este trecho eu diria...pra caramba... susto... cão provavelmente esfomeado no caminho, é de arrepio ...

As fotos são excepcionais e bem elucidativas, das dificuldades encontradas... ainda usava linha branca..kkk

Abraços

RENATA CORDEIRO disse...

Oi, Kátia, esse seu post está demais, embora eu discorde de algumas coisas, mas não cabe aqui dizê-las quais.
Amiga:
Fiz nova postagem no galeria e também no Poemas e Canções:
http://poemasscancoes.blogspot.com e no novo, que vc não conhece, o Doces Poesias:
http://docesspoesias.blogspot.com
Passe por lá, se puder.
beijos e continue firme nas suas narrativas, que são o màximo,
Renata

Eduardo Miguel disse...

- Não há como negar, não há como não dizer! se quer de fato conhecer alguém antes de uma decisão leve-a para uma viagem, será revelador...
Kátia beijos, muitos!

Sandrinha disse...

eh muito bom descobrir novos blogs, novos amigos e o melhor poder conhecer um pouco de cada e saber quantos valores eles tem.
Prazer em conhecer C&A hahahahahaha
beijo
legal ter vc no AO
Sandrinha
www.brasileirinhanohawai.blogspot.com

Anônimo disse...

oLa, Katia!

Adivinha o que mais quero fazer em termos de viagem? Exatamente isso, o Caminho de Santiago.
Gostei demais daqui!
Pois é, to procundo minha amiga oculta...que pode ser vc..rs

Um beijo

Bella disse...

Ola, eu sou a Belle do AO. Muito obrigado pela visita no meu blog. Alias, pelas visitas... Seja muito bem vinda sempre!!!!
Que aventura, hem?
Confesso que a parte dos cachorros me assustou um pouco! Nao sei se teria a sua coragem!!!!
Um super beijos

Pelos caminhos da vida. disse...

Bom dia amiga.

Passando aqui para lhe desejar uma otima semana.

bjs.

Anônimo disse...

Oi Kátia!!! Sou Aline do A.O - Grupo de ajuda aos ocultos...ahahahahahaa, que bom que visitou meu blog só assim tive a oportunidade de vir a este encanto de blog e viajar junto com vc... estou passando rapidinho mais voltarei para olhar tim-tim por tim-tim...

Boa semana!!! Amada!!!

Anônimo disse...

Acho, não posso afirmar, que não faria o Caminho. Respeito e admiro quem faz, mas não vejo sentido nele, não pra mim. Mas, nele ou em outro qualquer lugar temos, sempre, de respeitar o ritmo dos outros, compreendê-los, o que reforça a amizade, quando existe, ou cria novas, como no AO da Loba.

Pelos caminhos da vida. disse...

Bom dia amiga.

Selinho para vc la no blog.

bjs.

ex-controlador de tráfego aéreo disse...

Oi Kátia!

Obrigado, aceito e retribuo.

Bem, fiquei pensando na história dos cães e na construção de um mito, de como repassamos tão bem nossas emoções em imagens fortes que influenciamos outros, até mesmo na distância física, a qual é encurtada pela psicológica. Parece que vamos viver a mesma história. Algumas vezes até perdemos excelentes oportunidades de agregar conhecimentos por causa disso; por medo. Mas, isso talvez seja outra prosa, que não encontra lugar agora.

O importante agora é falar da escolha das amizades. Coincidência ou não, esse tema vem me acompanhando nos últimos dias. Em conversa recente, o senhorio do imóvel que alugava até hoje, me disse que aprendeu cedo que amigos são escolhidos e constituem uma família diferente da consanguínea, exatamenteporque esta é imposta, aquela é do coração. Claro que há contestações e controvérsias. Mas eu aceito sua versão.

Se observarmos atentamente, poucas pessoas de nossa própria família escolheríamos para uma viagem como essa. Os motivos podem ser diversos, nem vou tentar enumerar. Em contra partida, escolheríamos alguns bons amigos para a jornada, mesmo isso significando descobertas a serem feitas; mais a respeito do outro do que a nós mesmos. Por isso, ao descobrirem em você traços magnânimos de personalidade, fortalecem o que já era intuído. É o que entendo disso. Você despertou neles muito mais do que eles esperavam encontrar. E você idem em relação a eles, logo, são irmãos de escolha, para sempre.

Um beijo com carinho!!!

Anônimo disse...

...Dia 08, comentei aqui...quando te conheci...antes de saber que eu era seu amigo-secreto...engraçado..

No caso, quando voce sai para visitar outra cidade, sai da trilha, ou a Cris é que pegou outra trilha?...as vezes fico meio sem entender essas cidades no caminho..mas tudo bem...um dia vc me explica