domingo, 11 de abril de 2010

AMORES, VIDA & MÚSICA

NÃO NECESSARIAMENTE NESTA ORDEM

Sou daquele tipo de pessoa que está sempre pensando. Tudo bem, sei que todos nós pensamos incessantemente, mas sou daquelas que prestam atenção aos pensamentos (na maioria das vezes).

Esses dias estava pensando em como a doença que me acometeu (Síndrome de Sjögren + Vasculite) e que me derrubou por exatos, neste momento em que escrevo, 1 ano, 2 meses e 4 dias, mudou minha vida.

Desde pequena, como já disse uma vez, como eu não era “a mais” em nada – beleza, dinheiro, etc. – passei a estudar mais do que ninguém para ser pelo menos bem sucedida. Então, era uma disputa feroz, no primário, pelos distintivos dos três primeiros lugares da classe. Quando eu tirei meu primeiro 7,0 – já na quinta série – chorei o dia inteiro, porque aquela não era nota para mim e carreguei uma raiva danada da professora por muito tempo. A raiva passou, claro, mas a lembrança não, acho que vem daí meu trauma com Geografia. Foi nessa época que comecei a escrever meus versos, pensamentos, num velho caderno que permanecia escondido, fechado a sete chaves. Era ele meu confidente, como na música:

"Sou eu que vou ser seu amigo
Vou lhe dar abrigo
Se você quiser
Quando surgirem
Seus primeiros raios de mulher
A vida se abrirá
Num feroz carrossel
E você vai rasgar meu papel..."

Cresci, não muito, e embora não sendo “a mais”, era popular. Nunca ficava sem namorado! Naquela época eu cantava “e que tudo mais vá pro inferno”... e seguia adiante quando o namoro terminava.

Mas amor, amor de verdade, Amor com letra maiúscula, foram três.

O primeiro, ainda na adolescência, abandonou-me, sem mais delongas, por conta de uma fofoca. Por muito tempo fiquei a cantar:

"Vem, que o tempo pode afastar nós dois
Não deixe tanta vida pra depois
Eu só preciso saber
Como vai você"

Desse primeiro amor herdei o medo de amar, da entrega sem limites, de me apaixonar... Daí passei a namorar só três meses. E avisava ao pretendente, eu só namoro três meses! (rs) Raciocinem comigo: é o tempo exato de só viver coisa boa, sem se apaixonar. Assim não corria risco de sofrer. Como estava enganada!

Amei novamente, inesperadamente, e foi entrega total, amor avassalador, fora de tempo... daí, até hoje, eu canto:

"Das lembranças
Que eu trago na vida
Você é a saudade
Que eu gosto de ter
Só assim!
Sinto você bem perto de mim
Outra vez...

Me esqueci!
De tentar te esquecer
Resolvi!
Te querer, por querer
Decidi te lembrar
Quantas vezes
Eu tenha vontade
Sem nada perder..."

Meu terceiro amor foi construído na convivência, no dia a dia, sem urgências... para ele eu canto, um canto que poucos conhecem:

“Tem os olhos cheios de esperança
De uma cor que mais ninguém possui
Me traz meu passado e as lembranças
Coisas que eu quis ser e não fui”

Assim a vida foi passando, as coisas acontecendo e de quando em vez eu padecia de alguma doença. Deste modo comecei a partir, aos pedaços. O primeiro foi um pequeno pedaço do seio, mas eu era tão jovem que nem cheguei a me afligir. Como é boa a ignorância!

Quando perdi o útero, depois de anos de sofrimento, eu só pensava para quê eu iria querer aquele órgão, para mim só servia para duas coisas, ter filho e câncer, filhos eu já tinha tido, câncer não iria de ter. Nessa época vivia tão atarefada que nem tinha tempo para pensar, cantar então...

Depois foram embora a tireóide, a vesícula, alguns pedaços de ossos que não deveriam ter se desenvolvido e eu ainda fazia piada, toda vez perguntava pro meu cirurgião quais pedaços ainda poderia perder sem passar para o lado de lá! Só de brincadeira cantava “Oh pedaço de mim...” e emendava com alguma bobagem acerca de órgãos humanos.

Mas a vida não é uma piada, houve um tempo tão triste, cheio de dor, que fiquei seca, estática, muda... desse nem música tem...

Voltando à doença recente, por conta dela passei quase um ano sem ir a nenhum compromisso social, as dores me impediam... Até que esses dias, já mais aliviada, resolvi ir a um aniversário! Estava marcado para as 7:30 h. Como sempre fui ultra rápida para me arrumar, era só falar vamos! em 15 minutos estava pronta! Mas para ter folga comecei a me arrumar 7 horas. Não olhei para o relógio. Como era uma reunião de mulheres eu iria só, então não tinha ninguém para me alertar. Quando cheguei à festa minha comadre falou: - Pensei até que você não vinha! Que bom que está aqui!

Foi então que descobri que eram quase 8:30 h. Ou seja, meu tempo mudou.

Foi um choque!

Busquei, então, o que mais havia mudado em mim além do inchaço do excesso de corticóide. Enchi meus filhos, marido, irmã, etc. de perguntas e eles, meio a contragosto, confessaram que minha memória mudou: não lembro mais os números de telefones que antes trazia de cor; tenho lembranças, que juro serem verdade, e que nunca existiram; minha agenda de aniversários, que trazia na memória, apagou-se; vou pegar alguma coisa e quando chego ao lugar não lembro mais o que era; tenho certeza que conheço pessoas que nunca vi (e mato meus filhos de vergonha); entre outras coisas. Disfarço o embaraço que também sinto, engulo as lágrimas e sigo em frente, com vontade de morrer... sem trilha sonora.

Agora preciso aprender a viver nesse outro compasso.

Preciso conhecer, e aceitar, minhas limitações, não só as físicas.

Preciso me re-conhecer.

E eu, que a vida inteira cantei:

“...Sexo frágil
Não foge à luta
E nem só de cama
Vive a mulher...

Por isso não provoque
É Cor de Rosa Choque”

Estou, aos poucos, e não sem sofrimento, aprendendo a cantar:

“Ando devagar porque já tive pressa,
E levo esse sorriso, porque já chorei demais...”

17 comentários:

Jacinta Dantas disse...

Kátia,
lendo suas experiências, constato que sábio em quem sabe fazer um refrão para cada momento vivido, inclusive e principalmente nos momentos difíceis. E, andar devagar, mantendo o sorriso, é pura sabedoria.
Abraço e minha admiração.

Cecília disse...

Kátia, adorei seu post!
Tenho essa mania de colocar música nas coisas que me acontecem, mas você faz isso com muita sabedoria e propriedade.

Beijos!
Tenha uma semana iluminda!!!

Anônimo disse...

Li o texto no blog - legal - fiquei sabendo de coisas que não sabia a seu respeito - ou seja, te conheci mais um pouquinho, amiga. Amei a foto de chapéu - você está linda! Que sorriso... Bjs
Eliana

Vanuza Pantaleão disse...

Katinha, bom diaaaaa!
Aqui fala sua locutora da Rádio "Loucuras Musicais da Blogosfera" [risos].
"Menina linda, eu te amo, menina pura como a flor..." (Renato e seus Blue Caps). Pensando bem, eu ando muito brega, rsrs.
Se eu desistisse de você, estaria renunciando a esses momentos enternecedores, bons...e não é exagero dizer-te que estaria desistindo dos meus mais gratos Princípios de Amor Fraternal.
Não, não e não. Não faço favor algum em vir aqui. Da época da minha mãe, acho que do querido Mário Lago: "Não fazes favor nenhum em gostar de alguém, nem eu, nem eu, nem eu, quem inventou o amor não fui eu, não fui eu, não fui eu nem ninguém..." (a Gal canta isso divinamante)
E tem mais, de agora em diante, serás a minha consultora musical. Trabalharás "de grátis" para mim...por Deus, que absurdo que acabei de falar! Apaga isso!
Ah, tá vendo? Você me deixa emocionada e depois nem sei como te agradecer!
Amiga, eu penso a cada dia, a cada bendito post em largar essa coisa aqui de mão, mas acredite, só você e mais meia dúzia de três ainda me seguram aqui. Não penso mais em muitos comentários, nem em números de visualizações - quero até tirar aquela porcaria de contador de lá.
Eu volto, hein?
Te amo demais!!!Bjssss

Cecília disse...

Imagina só se vou deixar de vir aqui. Esse blogue me inspira, me anima, me faz viajar por lugares que nunca fui.
Gosto muito de "te ler". Espero que você nuna nos abandone.
Eu venho sempre por aqui, só que as vezes não comento, mas de agora em diante vou dizer nem que seja um 'oi'.
Beijos!!!

Cecília disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anderson Meireles disse...

Riquíssimo! Obrigado por esse post!
Abraço!

lula eurico disse...

Um abraço, amiga. Um solidário e forte abraço. Muita luz e paz é o que te desejo.

Abraço fra/terno

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Amiga Kátia,

Suponho que posso tratar assim, uma vez que é amiga da minha querida amiga Vanuza.
Aqui em Portugal diz-se que os amigos dos meus amigos, meus amigos são.

Minha querida, a sua história de vida dava um livro.
Parabéns pela coragem e pela força de vida.

Uma lição de vida, sem dúvida.

Beijinhos

Jânio Dias disse...

Olá, Querida Kátia!!!

Você deve saber pelo meu blog que minha vida é uma trilha sonora constante, de forma que entendo bem como algumas canções se tornam tão marcantes.

Talvez esse seu momento especial, que de repente do ponto de vista literário possa ser visto como um período de "histórias reais, seres imaginários", ou o contrário, possa desencadear belos e interessantes textos. Talvez seja bom adaptar-se a eles e curti-los. Uma vida inventada também pode ser uma vida vivida.

Gostaria de escrever mais, bem mais... mas de alguma maneira escrevo para que os outros leiam e não para mim. E como não sinto ser lido e também não faço por onde, acabo não tendo motivação para fazê-lo. A não ser quando recebo um elogio tão expressivo quanto o seu.

Muito obrigado pelo carinho, da uma vontade danada de abrir uma página em branco e tentar preenche-la.

Grande beijo!

Vanuza Pantaleão disse...

"Voltei, aqui é o meu lugar, minha emoção é grande, a saudade era maior...e voltei para ficar."
Essa marchinha do saudoso Oswaldo Nunes, quantas lembranças me trazem dos meus bailinhos de carnaval.
Você nos desperta isso, Kátia: ternura, carinho, solidariedade...
Um final de semana sempre iluminado, amiguinha muito querida do meu coração!!!Bjssss

Unknown disse...

OI!

Estou sumido mas nem tanto... rsrs

Obrigado por compartilhar conosco um pouco de você. Quando nos doamos nos fazemos mais e um pouco de nós se multiplica pelo mundo.

A vida realmente é desse jeito: fazemos dela um pouco como queremos e ela faz de nós um pouco o que ela quer.

Siga firme!

bjo

Angela Mara disse...

A vida não tem sido fácil para você e, às vezes, nós também não te damos trégua... Bom ver que seu tom está mudando; que sua voz está com melhor alcance; que seu tema está se delineando mais claro; nós todos estamos crescendo com a sua experiência.
"Desesperar, jamais..."
beijos.

André L. Santana. disse...

Querida D. Kátia,

Gostei deste post. A proposta lançada no fim dele me chamou mais a atenção: "Preciso me re-conhecer".
Esta é a melhor atitude que você pode tomar num período assim.

Portanto, é compreensível que algumas memórias podem desaparecer, mas por um outro lado, você ganha mais habilidades: veja só, você pode viajar no tempo! Nem o Einstein conseguiu tal feitio! E mais - sua sensibilidade e percepção de sentimentos está mais afiada. Você pode sentir mais as coisas em si, que antes sim, passavam desapercebidas. Brincadeiras (que tem fundamento) à parte, não acho que é apenas sua memória que mudou, D. Kátia. É a sua vida. É uma nova fase, é uma época de mudanças, de novas prioridades... mas sem se esquecer do que você já construiu e realizou. Literalmente.

Mudanças não apenas no seu estado físico, mas no mental (e e até espiritual) também. É difícil ver um aprendizado através dos erros e da dor, mas as mais importantes lições advém de fases e situações como esta.

Experiencie, analise e reflita - como você já tem feito muito bem - este post prova isso.
Mas não deixe isso se tornar a sua vida. Como aprendemos na espiritualidade, isso é uma fase de dores, mas vai passar. Vai passar. Há uma razão pra isso.

E não se cobre tanto; seja apenas você. Não deixe se ser e fazer o que já era inerente à sua personalidade.

Do lado de cá, a situação também não anda (literalmente) boa - o joelho piorou; inchou de novo, não posso caminhar, correr, nadar ou até mesmo ficar de pé sem sentir dor. Fotografar, trabalhar, ou até as coisas mais simples se tornaram as mais difíceis. Estou triste? Sim, mas dou mais foco às minhas vitórias, porque são elas que me mantém disposto pra fazer as coisas dentro das minhas limitações. Também é fato que a condição nos limita a fazer outras coisas. A constância e relevância no assunto, nos faz esquecer do que podemos realizar agora e dar mais enfoque num tempo que já passou; como consequência, vem a mágoa e depressão.
Frases negativas de efeito ou pensamentos que enaltecem a autopiedade são ricos em períodos como este.

Acho que sempre dá pra fazer mais, pra realizar algo extra, de quebrar um limite que pensávamos que não existía e de descobrir outra coisa. Sempre podemos fazer algo.

E a desculpa de que "já não tenho mais idade pra isso" não cola. Minha Avó me ensinou com a doença dela, exatamente o contrário.

Você não é a sua doença, D. Kátia. E ela não é você.
Pelo pouco que vi, em sua vida e rotina, há lembretes em sua vida (e de sobra) que a tornam rica. Sobre vários aspectos.

Falei demais. Quer saber? Vai ser feliz, por favor!
Beijaço! Abraçasso!

miguel trancoso disse...

boa trilha sonora. a sua pelo menos tem letra e música, notei que de um gosto apuradíssimo. acontece que o bálsamo da vida é a própria vida, é viver. você sabe viver e "by myself", como diria meu grande amigo fernando coutinho. aguardo a sua poesia, com certeza aliviará algumas tristezas que teimo em carregar. você é uma grande escritora e muito inteligente e comunicativa.
ótimo dia. migueltrancoso

Aguiar disse...

Olá querida,
Há quase dois anos estou lutando junto com minha irmã com uma doença que a vem consumindo.
Tive que dar um tempo nas amizades.
Sinto muita falta de todos, mas estou aprendendo com o sofrimento dela que a vida mesmo com dôr pode ser bela.
Sua postagem me deu mais ânimo, porque apesar de suas agruras você conseguiu nos transmitir sua FORÇA, sua CORAGEM, sua DETERMINAÇÃO e sua linda maneira de encarar a vida.
DEUS te abençoe!!!
Beijos com carinho
Luzia

Aguiar disse...

Adoro tudo o que você escreve....
Sou realmente sua fã de carteirinha.
Logo que possa volto aqui para ler um pouco mais.
Um beijo de luz no seu coração