terça-feira, 27 de maio de 2014

O POEMA QUE NÃO ESCREVI

Esse poema foi publicado em 2004 pela minha querida amiga Nora Borges e, na hora que li, identifiquei-me tanto que foi impossível não perguntar: Por que não fui eu que fiz?
Ele é tão lindo que, dez anos depois, mesmo sem autorização da autora (que há de me perdoar) resolvi compartilhar com vocês.



COISAS DE AMOR

Autora: Nora Borges

Hoje eu queria te dar mil beijos, satisfazer teus desejos, te mostrar que sou teu par.
Hoje eu queria te fazer bem pela vida afora…
Te dar O Amor nos Tempos do Cólera para lermos juntos, um dia, na rede do invernadeiro.
Queria te contar mil estórias.
Te fazer rir até a boca doer. Até você se jogar num chão de areia branquinha e ficar soluçando de riso desperdiçado, espalhado, expandido, os braços abertos, a cabeça em meu colo até dormir de cansado…
Queria te fazer contente, como em dia de aniversário ou dia dos namorados, ou dos natais da infância.
Te dar meus sorrisos cheio de covinhas, meu colo macio, meu alento.
Queria te dar, numa cesta de vime, mil presentes: um adágio de Bach, duas estrelas cadentes, um prato de camarões vermelhos lá do bar da velha Beata, perto daquele rio…
Um por do sol rosado, incandescente, por trás das casuarinas. Daqueles bem demorados, por causa dos dias tristes…
O melhor banho de chuva do mundo, na Estrada Real do Poço, pulando com os dois pés na maior poça da rua, nós dois molhados até os ossos. Gargalhando… gargalhando…
Um abraço no meu Baobá, que só eu sei que é meu… e onde está.
Uma taça de vinho tinto, para esquentar o coração.
Ingressos para o festival de ópera de Verona, com estadia em Veneza… tudo grátis… tudo grátis!
Um sorvete de casquinha, o sabor você escolhe: cajá, pinha, pitanga?
Um algodão doce crequento, daquele antigo, feito em bacia. Parece nuvem…parece nuvem!
Limpar-nos os rostos a beijos doces.Tão doces!
Um Aleph, no décimo nono degrau de alguma escada, porque o J.L.Borges disse que se vê toda a vida e tudo em um mísero e rápido olhar…
Uma lua nascendo enorme, para você agradecer à vida.
Um búzio grande e rosado para voce ouvir o mar, qualquer mar que recorde… chuam! chuam!
Um caleidoscópio de lata, que faz txim..txim quando você o gira e vê mil formas coloridas. E você ri como doido. E descobre como é bom rir como doido.
Toda a alegria que couber em você e o que derramar, você distribui por aí.
Uma caixinha de biscoitos da sorte. Cada um com uma mensagem de boa ventura. E se sentarmos para comer tudo de uma vez, teremos toda a sorte da vida num só dia…
Uma fogueirinha com todas as mágoas e maldades que a vida tenha deixado em você. E com a fumaça, o esquecimento. Assim faziam os índios, não?
Duas lembranças gostosas por dia, daquelas que fazem a gente ficar com o olhar fixo e perdido, um meio sorriso nos lábios e …depois um longo e ruidoso suspiro.
Uma lata grande de paz, mas só abra de vez em quando. Na natureza profunda, muita paz é como a morte. É preciso alguma forma de sofrimento, alguma dor de saudade para gente saber vale a pena estar vivo…” Mesmo uma pedra é uma dança de elétrons.” li em algum lugar. Nunca esqueci.
Então… ponho um vidro grande de lágrimas quentes, para o caso de precisar…
É preciso que dance sua música… e às vezes ela pode ser triste.
Mas também ponho uma cartola com o fundo falso e lenços coloridos, para você fingir de Mandrake… palmas! palmas!
E um papagaio que fale mil e uma sacanagens, para você embolar de rir, mesmo já sabendo delas todas.
Também tem uma caixinha com vários tipos de silêncios, para você escolher aquele que mais precise…
Ah! e dez noites seguidas de sono perfeito. E quantas quiser de amor bem feito…
Uma cortina de longos e castanhos cabelos, para vestir seu corpo de arrepios. Um par de olhos molhados, pedintes, entregues. Uma boca de lábios sedentos… e mil beijos de borboleta.
Um sonho bom como se fosse verdade.
Uma verdade que parece um sonho.
Um mar com um arco-iris…

E todo o amor da mulher que você escolheu para amar.

2 comentários:

Vanuza Pantaleão disse...

Lindo, leve, um sonho, assim é um poema de amor. Amei!

stenio disse...

Um sonho bom como se fosse verdade.
Uma verdade que parece um sonho...
Simplesmente isto.
Estes versos eu também gostaria de ter escrito,e embora todo o poema seja muito bonito, desta vez a emenda saiu melhor que o soneto, como deve ser.