Não era unanimidade, porém, como dizia Nelson Rodrigues, “Toda unanimidade é burra” e ele pode ser chamado como quiser, menos de burro!
O primeiro livro de (José de Sousa) Saramago que tentei ler foi “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” – lançado em 1991, talvez sua obra mais polêmica – onde ele reescreve a Bíblia através da narrativa de um Jesus feito homem. Confesso que não consegui. Estranhava-me aquele modo de escrever, ininterrupto, meio mal pontuado, sem diálogos definidos... tudo isso na minha nada humilde e muito prepotente opinião.
Guardei o livro. Quem sabe em uma outra vez? Mesmo porque estava envolvida com outras leituras, escritos, casa, filhos, serviço, viagens executivas, etc. Lembro que ele ficou em cima da escrivaninha, com sua lombada azul marinho escrito em dourado, fitando-me, como a dizer: Um dia você estará preparada, eu espero!
Tinha tanta coisa a ler...
Quando me pediam alguma opinião, eu dizia que não gostava de Saramago. Até que um dia percebi o quão incoerente estava sendo, porque até para não gostar, tem que se conhecer.
Decidi ler O Evangelho... Não foi fácil. Foi preciso despir-me de todas as ideias pré-concebidas acerca de literatura, estilos, formas e fôrmas. E como não se apaixonar pelo Jesus de Saramago que "conheceu o amor da carne e nele se reconheceu homem".
Li outros livros de sua autoria: Ensaio sobre a Cegueira, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Memorial do Convento, As intermitências da Morte. Outros não consegui: O Homem Duplicado, A Viagem do Elefante. É bem provável que falta-me inteligência e lucidez para alcançá-lo.
Mas como não reverenciar-me a um homem que diz: “Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar”.
Crítico ferrenho da Igreja Católica, dizia-se ateu, mas confessava: “Não sou um ateu total, todos os dias tento encontrar um sinal de Deus, mas infelizmente não o encontro”.
Amou três vezes, porém seu maior amor foi justamente o último (a jornalista e tradutora espanhola Pilar del Río), que o mesmo Deus que negava, guardou para o final de sua vida.
Vai ficar um vazio muito grande na literatura de língua portuguesa, pois ninguém, nunca mais, vai dizer-nos: “Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia.”
O meu também, Saramago.
Também.
5 comentários:
De todos os textos sobre Saramango esse foi o mais intenso e natural...diria o mais simples e gostoso de ler.
Minha lindona tenho estado aqui e acompanhado sua trogetoria com a saude fragil. Não comento pq nessas horas o melhor é a oração do silêncio e eu tire sempre um tempo de silêncio por vc.
Esteja em paz.
Bjos no coração.
Sabe que tb não tinha lido ainda Saramago... olhava os livros..mas sempre tinha outro mais interessante na minha lista...srsr
agora que resolvi conhecer sua obra...estou lendo A caverna..
Muito bom te ver voltando a escrever assim! Beijo!
O meu também Saramago, o meu também Kátia!
Abraço!
Saramago sempre me tocou...
Foi e sempre será um ser iluminado!
Adorei o post!!!Bjssss
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