Parêntesis 2: Gente, não fiquem achando que o Mauricio simplesmente abandonou-nos, ele não foi para Santiago com a gente, quem está acompanhando a saga desde o início sabe que nós nos conhecemos na estação de ônibus de Pamplona e tudo que ele queria era “rachar” uma corrida de táxi. Então, neste ponto (viu Mauricio?) tenho que sair em sua defesa, ele não tinha nenhum compromisso conosco. Tudo que fez foi por amor, doação.
Mas voltemos ao caminho...
Apesar de ter lido muito sobre o que fazer, o que levar, como proceder em determinadas situações, só mesmo conversando com outros peregrinos é que a gente vai descobrindo certas “manhas”. A mais importante para mim foi descobrir que poderia despachar todo o meu peso morto (eu ainda carregava na mochila o tailler da viagem, as botas que troquei, algumas camisas, etc. e que não queria me desfazer desses objetos) para Santiago de Compostela, via correios, que ficaria numa “posta restante” aguardando a minha chegada.
Existem pesos mortos que a gente deixa mesmo no caminho sem nem olhar para trás. Mas existem outras coisas que nos serão úteis lá na frente, por isso somos obrigados a suportar a carga!
É igualzinho à nossa vida, com a diferença que tem gente que carrega todo o peso morto, por todo o tempo...
Então saímos cedinho de Hornillos para chegarmos a Castrojeriz a tempo de despacharmos nossas coisas.
Hontanas
Chegamos cedo em Castrojeriz, antes da hora do almoço (para nossos padrões). O albergue ainda estava fechado. Deixamos nossas mochilas empilhadas a outras na recepção e saímos em busca do Correio. Mas as forças contrárias também conspiram no Caminho... o correio estava fechado.
Parêntesis 3: Mão tentem entender o funcionamento dos órgãos governamentais da Espanha... Nós chegamos ao Correio por volta de meio dia, um rapaz de uma loja ao lado disse que já havia aberto (às 10 mais ou menos) e fechado, e que talvez abrisse à tarde, às vezes não... Não existe um horário determinado. Cada agência abre e fecha de acordo com o sono e o humor do funcionário. Aquele dia parece que o funcionário não estava de bom humor, pois o correio não abriu mais.
No que estávamos esperando, eis que aparece meu querido amigo Marco Pingret, também querendo despachar algumas coisas... o que também não foi possível. Porém Marco trazia a notícia que havia passado pelo bar do Toño e que havia uma mensagem do Mauricio para nós. Fui correndo até lá e realmente havia uma nota no livro dizendo que estava tudo bem e incentivando-nos a continuar.
Marco despediu-se e foi em frente.
Parêntesis 4: Despedir! Outra coisa difícil! Como é difícil para eu deixar que os outros partam... Foi com lágrimas nos olhos que vi Marco indo embora. Pressentia que nunca mais iríamos ver-nos, pois o ritmo dele era muito, muito melhor que o nosso. Então, estava fora de cogitação voltarmos a nos ver. Esta partida doeu-me o coração. Meu coração sabe escolher. É muito criterioso. Só se apega a quem realmente vale a entrega. Marco vale cada lágrima de adeus e todos os sorrisos que compartilhamos.
A Rosa estava a ponto de parar tamanha era a dor que sentia no pescoço e costas. A Cris resolveu dar uma aula de Yoga em plena rua! Foi demais! Começamos ela, eu, Rosa e Angeles. Aos poucos os outros foram aderindo, no final estávamos todos os peregrinos fazendo exercícios para alívio das dores. A aula terminou em aplausos e emoção.
Estava armando a maior tempestade... ventos fortes, trovoadas... A Rosa disse que vinha uma tormenta. Como eu não sei o que é tormenta para eles, tratei de me abrigar. Porém só tinha aquela saletinha... então era mochila empoleirada de um lado, peregrino de outro, uma balbúrdia!
Nisto chega Resti, o hospitaleiro, super simpático. Um grande homem, em todos os sentidos, atrás de sua barba branca (uma mistura de São Pedro, com Papai Noel) e colocou-nos para dentro.
O albergue é dividido em pequenas “baias” com dois beliches cada e Resti é quem decide onde cada um vai ficar... Eu e Cris ficamos com O Grandão e Sir Lancelot. A Cris, amiga de todas as horas se prontificou a ficar na parte de cima do beliche (eu só ficava em cima em último caso, ainda assim chorava...) mas logo acima de sua cama tinha uma espécie de trilho de trem que dava sustentação à casa de dois andares, portanto ela só podia ficar em uma posição, se virasse, dava com a testa no trilho!
Parêntesis 5: Nós vivíamos rindo dO Grandão e seu “para-aguas” (guarda-chuva) que parecia bem encurvado. sobressaindo da mochila... Achávamos estranho, fechado, ainda dizíamos: coisa de alemão. Mas o Caminho e a vida nos obrigam, quase que diariamente a rever nossos “pré-conceitos”. Ele foi super generoso, tentando de todos os modos fazer-se entender, disse que roncava e era só a gente dizer “psiuuuu” que ele parava (e não é que deu certo!). Então conhecemos sua história: ele havia ficado viúvo há 6 meses, desorientado, filhos criados, sem a companheira de toda uma vida, não via mais sentido em nada, resolveu fazer o Caminho em busca da sua essência e aprender a viver só. Como passei a admirá-lo. Só os fortes são capazes de expor suas fraquezas.
Conhecemos Paulo (baiano) e fomos com ele até a farmácia pois ele não conseguia fazer com que entendessem o que ele queria... Ficamos conhecendo também o Valentim, um jovem, fora do seu tempo, tipo hippie anos 70, e sua cadela, que ele viu ser maltratada pelo dono e adotou. Ele fica nos albergues quando os hospitaleiros deixam, pois não possui credencial, acha que papel não é importante e é proibida a presença de animais nos albergues. Tranqüilo, simpático, ajuda as pessoas no trabalho do campo, fala várias línguas e sobrevive do que os outros peregrinos lhe dão.
Consulado Brasileiro "La Tarberna" - Eu, Toño, Cris e Maria Jesus
Fomos jantar em “La Taberna”, bar-restaurante do Toño e Maria Jesus, dois apaixonados pelos brasileiros e pelo Brasil. O Bar é uma espécie de Consulado Brasileiro, os outros peregrinos até reclamam, que brasileiro é tratado com distinção especial, e é mesmo. Toño logo abriu uma garrafa de vinho “La Rioja” (dizem que só aos brasileiros serve este vinho). O restaurante estava quase deserto, numa mesa ao lado estavam Sir Lancelot, O Grandão, Sr. Escritor e Izaskun, sua esposa, que havia chegado. Em outra mesa, nós duas, e mais ninguém.
Comemos uma salada e uma carne fantásticas!
Cantamos músicas brasileiras para todos, foi uma festa (depois de tomarmos a garrafa de vinho toda era capaz até de dançar sobre a mesa – rs). Tiramos fotos, demos umas notas de dinheiro brasileiro (que ele coleciona numa parede do bar) e no final ficamos sabendo que eles não atendem para jantar. Que tinham aberto porque o Sr. Escritor havia encomendado um jantar por causa da presença da esposa e que eles haviam compartilhado suas refeições conosco! Emocionante... e ao final, ainda não cobraram o vinho: “cortesia às brasileiras”.
Quando nos despedimos, Toño chamou Bernie, seu cão pastor alemão e ordenou-lhe que nos levasse até o albergue.
Cris e Bernie, à esquerda o Albergue de Resti
E não é que o cachorro levou mesmo! Até ganhei um beijo, só que ele não queria voltar para casa... queria entrar no albergue, foi difícil convencê-lo que não era peregrino!
Fomos dormir alegres (um pouco demais!)
Parêntesis 6: É triste saber que ainda existem pessoas onde o mal predomina. Tempos depois fiquei sabendo, via “rede peregrino”, que o Bernie havia morrido envenenado. Foi muito triste, era um cão que só fazia o bem e trazia alegria para todos... chorei muito, ainda mais quando dei a notícia à Cris!
Porém ano passado fiquei sabendo, pela mesma rede, que Toño já tem outro cachorro, que se chama Dali.
15 comentários:
Leio tudo de um fôlego só, Amiga! Tudo nos remete, nos leva a pensar nas coisas do Espírito, até o pão velho que os peregrinos compartilham; o cãozinho, um ser em evolução...A Reforma Íntima, minha querida, lamentavelmente, ainda é para poucos, pois "MUITOS SÃO OS CHAMADOS, MAS OS ESCOLHIDOS, POUCOS". Prossigamos no nosso caminho, tratemos das feridas dos que precisam, como o fez "O BOM SAMARITANO" e deixemos que "OS MORTOS ENTERREM OS SEUS MORTOS". O Mestre está certo, Kátia, há espíritos endurecidos, primitivos, não há muito a fazer, a não ser o Bom Exemplo que pudermos passar-lhes. Ando muito triste, confesso! Mas meia dúzia de Amigos de "caminhada virtual", como VOCÊ, ainda me auxiliam na jornada, até quando? Até quando Ele quiser...E como "AS VIRGENS VIGILANTES", vamos em frente!
UM CARINHO BEM ÁGAPE PARA TI!!!Bjsss
As fotos: extremamente fantásticas; seria pleonasmo falar assim? Que seja! Olha, estou sem impressora, mas vou dar um jeito nisso, esse seu blog é um Tesouro Vivo, como tu'alma...Vou indo, senão, não saio mais daqui, rssss...Tchau!!!
Nossa, o visual do blog ficou muito bom. Mudança geral e pra melhor. Beijos.
Vi que um dos seus livros trata de Vitória. Por falar nisso estou num exercício-brincadeira de compor alguns poemas em torno do porto que em Vitória faz parte do centro da cidade.
Beijos.
Vou continuar olhando suas mudanças.
Adoro ver fotografia e as tuas são ótimas.
Abraços
Já venho te acompanhando em silêncio há muito tempo, mas sou tímida para entrar numa casa tão ornamentada. Mas você nos traz tantas mensagens que não resisti, entrei! Gostei! E agradeço!
Contentamento, surpresas, lágrimas e sorrisos. Tudo feito emoção no caminho percorrido.
Vou acompanhando, assim, com esse coração derramado em cada palavra.
Beijos
Já virei fã da Cris..também adoro animais, principalmente os cães..me deliciei, novamente, com o seu relato, porém fiquei triste no final, se tem algo que me tira do sério, me deixa enraivecida, é a maldade contra os animais... belas fotos.
beijos querida...uma linda sexta feira.
Capri...c'est fini! Thanks
Olivier
Acompanhar sua caminhada, é caminhar, é tenter enteder algumas coisas que se passam com os seres humanos e suas buscas.
Esse relato me emocionou em vários momento. Senti cada passagem especial, muito especial, se todas são, senti mais ainda.
No momento que fala de Marco segurei as minhas lágrimas.
"Marco vale cada lágrima de adeus e todos os sorrisos que compartilhamos"
abraços com carinho
Não acompanho o caminho desde o começo, por isso a confusão com o Maurício ter ou não ido com você. Mas agora entendi.
sempre que leio aqui percebo que ainda existem pessoas boas, que o mundo não está tão perdido assim.
(Mas também existem as más, como as que envenenaram o cachorro. Que triste).
;)
Kátia:
O seu Blog está cada dia mais substancioso e mais bonito. Tudo o que você escreve nos prende dos pés à cabeça (do começo ao fim). Estou muito contente porque hoje voltei a escrever sobre filmes.
Feliz Dia das Crianças, querida.
Um beijo,
Renata
Tenho o selo Clarice Lispector para lhe dar, mas eu o mando por e-mail
Pôr do Sol e demais fotos, soberbas.
Um Restaurante... Com gostinho Brasileiro... isso serviu sem duvida para retemperar as forças e esquecer as borreguitas...
Que pena o final e final dado ao pobre animal, que também se portou.
Vou mas é dar ás pernas... acho que já vejo o grupo, lá ao longe.
Olá amiga Katia.
O seu blog é um tesouro, pois nos descrves essa viagem tão fantástica e iluminada que é Santiago.
Meus parabéns, viajei contigo e cada imagem que me deixou muito emocionada.
E sinto pena do cachorrinho, nenhum mal fez.
Beijos amiga.
Regina Coeli.
...espero quando eu passar por lá ainda tenha o estabelecimento...
Não há uma pessoa totalmente ruim...é bom descobrir seu outro lado...mas, as que maltratam animais, essas são más, e nao ruins...Deus só observa...lá na frente há uma pedra
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