quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O FRUTO PROIBIDO NÃO É A MAÇÃ




Cresci numa época cheia de tabus.
Muitos até consegui superar e, depois de algum tempo, ria da ignorância que origina a maioria deles.
Os tabus alimentares, no entanto, ficaram gravados na minha memória... acho que de tanto ouvir minha mãe repeti-los:
- Depois que comer banana tem que tomar água! (para neutralizar o veneno  - não me perguntem qual veneno, ninguém sabe explicar!)
- Manga com leite é morte certa!
- Gripado? Nada de gelado!
- Chupar manga à noite pode provocar convulsão e matar dormindo!
- Não pode comer o miolo do abacaxi porque queima a boca!
- Comer doce antes do almoço faz mal!
Foram tantos que, volta e meia, lembro de algum, principalmente quando estou prestes a violá-lo.
Numa madrugada dessas, em que o sono insistia em não comparecer, fiquei passeando pela casa e eis que me deparo com uma fruteira cheia de manga.
Não dessas mangas que se compra em supermercado e feira. 
Manga de verdade, daquelas que tem cheiro de infância, de quintal de vizinho, de fruta roubada.
Mas eram quase duas horas da manhã!
Se chupasse manga àquela hora, segundo minha mãe, era morte na certa.
Mas o perfume que exalava daquela fruteira insistia em me acompanhar... então, pela primeira vez em mais de meio século, mandei a morte às favas, peguei a manga com as mãos - nada de facas, pratinhos, guardanapos - e chupei como fazia na minha infância: amassando aos pouquinhos, com muito cuidado para não "ferir" a casca, uma pequena mordida na parte superior para fazer a abertura e fui sorvendo aquele néctar, deixando que o suco que escapava escorresse pelos braços, até os cotovelos...
Lambuzei-me feito criança...
Como diz o dito popular "minha mãe deveria estar se revirando no túmulo" - isso se eu acreditasse que tudo termina no túmulo.
Terminei com a boca suja, mãos sujas, braços sujos... mas com a alma limpa e sorridente.
E não morri!