domingo, 24 de fevereiro de 2008

UM ANJO CHAMADO PEDRO

Hoje eu quero falar do Pedro, meu querido afilhado.
Pedro que amava o mar - da cor dos seus olhos, amava seu carro barulhento, o carnaval, o futebol (mas principalmente o Vasco), amava andar perfumado, embora de bermuda e chinelo, amava...
Quero falar daquele que estudava à força, que matava aula para "pegar" onda, como que pressentisse que para onde ele iria o conhecimento acadêmico não iria fazer diferença, que pulava do muro com uma sombrinha de praia de para-quedas, que sumia com sua "quadrilha", como ele mesmo dizia da turma que sempre o acompanhou.
Daquele que dizia que quando crescesse queria ser igual ao irmão mais velho, mas, ao mesmo tempo, acolhia em sua cama o irmão caçula que tinha medo de escuro e acalentava-o até que adormecesse.
Daquele menino-homem carinhoso, que não fazia distinção de classe, cor, credo, que a todos respeitava e amava, e mais que isso, não tinha vergonha de demonstrar o seu amor.
Se tivesse tido mais tempo, com certeza se transformaria num daqueles homens que todos respeitariam, que amaria sua esposa e a ela dedicaria o melhor de si, que educaria seus filhos e deles faria homens de bem.
Falar do Pedro que, mesmo com dor, pegava seu violão e ia para a aula de música.
Do Pedro filho, irmão, afilhado, sobrinho, primo, amigo... teria uma palavra para cada Pedro e certamete seria uma palavra de carinho e elogio.
Enfrentou a doença, fardo difícil e pesado para qualquer ser humano, sem revolta, sem medo.
Cria em Deus e em nenhum momento deixou que as dificuldades da vida mudassem sua crença.
Agora ele se foi... e ficou esse vazio imenso, essa saudade a corroer a alma, esse sentimento de que faltou tempo, de que se foi cedo demais.
Muitos foram os adjetivos usados para descrevê-lo: Valente, Corajoso, Campeão.
Eu prefiro dizer que Pedro era Especial.
Tinha como missão ensinar-nos sobre as coisas da vida e da morte.
E o fez com perfeição.
Agora ele é uma estrela.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

ENCANTAMENTO

Quantas coisas boas vivemos juntos!

Compartilhamos o nascer do sol
Tingindo de dourado o horizonte.
Pôres-de-sol, quantos dividimos!
Desde o cinzento, sem brilho,
Até aquele que pintou o céu de rosa e azul
Evocando-nos uma tela de Monet
E lançando-nos a emoções indescritíveis.
Do céu?
Tivemos uma estrela e beijos ao luar.
Do mar?
Tivemos conchas e noites embaladas pelo seu murmurar.
Sonhos?
Tivemos todos.
Vivemos nas Ilhas Seychelles,
Dançamos tango numa praça de Buenos Aires,
Vagamos pelas ruas de Viena.
Voamos...
Para um lugar onde o espaço era o aqui
E o tempo era o agora.
De repente, apagaram o céu.
Onde está nossa estrela?
O rosa e dourado do sol,
Onde foram parar?
Tento voar, não consigo,
Minhas asas estão quebradas.
Em vão procuro sonhar,
Mas não tem mais sonho,
Acabou.
Só restou a sua imagem
Que não me sai do pensamento.
Será que não foi amor?
Não sei.
Talvez tenha sido
Só Encantamento.

Autora: Kátia Corrêa De Carli
Livro: Múltiplas Faces
Ilustração: Joyce Brandão

sábado, 16 de fevereiro de 2008

SÉRIE MÃOS

Esta série foi feita originalmente em preto e branco.

Saí pelas ruas buscando trabalhadores que tivessem como principal ferramenta as mãos...
Um beijo grande
Kátia

MÃOS DADAS
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.
(Carlos Drummond de Andrade)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

QUANDO...


Quando eu me for para longe
Quando os seus olhos não mais puderem alcançar-me,
Lembre-se de mim.
Quando meus olhos não mais brilharem
Pelo simples fato de fitar os seus,
Lembre-se do que fui.
Quando já puder olhar você de frente
E a dor não mais travar minha garganta ao ver você,
Lembre-se do que partilhamos.
Quando tudo tiver se esvaído
Na bruma insondável do tempo,
Lembre-se de mim, com carinho.
Quando os anos insistirem em apagar
As recordações de tudo que vivemos,
Nem música, nem retrato, nada sobrar
Dons bons momentos que tivemos,
Apenas lembre-se de mim.
Pois assim viverei eternamente
No seu coração e na sua mente.
Porém, se ao lembrar-se,
Uma tênue névoa turvar o seu olhar,
Prefiro, mil vezes, que se esqueça e que sorria
Do que, ao lembrar-se, entristecer-se.

Livro: Múltiplas Faces
Autora: Kátia Corrêa De Carli

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

CARNAVAL

Em janeiro, tão logo passado o Natal, a gente começava a se preparar para o carnaval. Não que fossem necessários meses para bordar as fantasias. Como não existia dinheiro, era necessário tempo para fazer a “garimpagem”. Uma roupa velha, desde que fosse de menino ou de mulher. Roupa de menina não servia. Como não tenho irmãos, era preciso percorrer as casas das amigas que os tinham, ver se havia alguma roupa velha, descaracterizar (porque pobre usa roupa até puir de tanto lavar) porque todo mundo conhecia as roupas uns dos outros, ir às costureiras pedir retalhos para fazer alguns remendos, colar de fuxico (hoje é luxo! Vejam só!), etc.
Depois vinha a vez da máscara.
Alguns tinham máscaras, daquelas de papel, mas a maioria não tinha. Então arranjávamos uma fronha velha, amarrávamos duas pontas, como se fossem orelhas de gato ou costurávamos pedaços de pano ou lã para simular cabelos e pintávamos a frente, com tinta gauche, batom, lápis de sobrancelha, tudo que fizesse cor, porque naquela época não existia “canetinha” e mesmo que existisse nós seríamos aqueles que não as teriam.
Então, quando começava o carnaval, arrumávamo-nos com tudo que havíamos preparado e lá íamos para o “Bloco Sujo” assim que ouvíamos os primeiros acordes da bandinha na rua.
Eu devia ter uns seis anos... me arrumei toda, o coração aos pulos e saí correndo em direção à praça. Estava só, encontraria a minha turminha atrás da bandinha. Quase chegando, logo na esquina, dou de cara com uma pessoa adulta toda fantasiada e mascarada (máscara mesmo, dessas que hoje fazem de látex), quase morri de susto e medo, dei meia volta e na mesma correria voltei para casa. Lá chegando, o coração na boca, minha mãe pergunta o que aconteceu. No que eu respondo: “dei de cara com um mascarado”. E ela, às gargalhadas, disse: “Só você mesmo! Um mascarado com medo de outro! Venha, vou com você!”
E lá fui serelepe brincar pelas ruas da cidadezinha.
É deste carnaval que tenho saudade.