segunda-feira, 28 de julho de 2008

DE SAINT-JEAN A RONCESVALLES – CADÊ OS PIRINEUS?

Perdida na névoa dos Pirineus

Ao nos prepararmos para sair de Saint-Jean, Maurício deu uma olhadela de soslaio e deve ter pensado: - Meu Deus! Elas não agüentam nem 5 km!
Também, eu só tinha colocado a mochila nas costas para ver se servia e para posar nas fotos da saída. Achava que carregar 10 quilos seria moleza: - São só dois pacotes de arroz!
A Cris tinha ganho um tênis daqueles que só faltavam falar, com amortecedor de um lado, bolha do outro, suspensão na frente, etc. e logo que começou a treinar com ele teve um problema no joelho e jurou que era por causa do tênis, daí decidiu ir de Azaléia (rs).
Então, lá estávamos nós duas! O que tínhamos era vontade. O resto estava tudo errado. A mochila estava amarrada errada, o tênis era errado, tudo, na visão do Maurício estava errado, inclusive o fato de ele ter caído na nossa conversa. Mas como não havia como voltar atrás, lá fomos nós para os 28 km que nos aguardavam naquele dia.
Parêntesis 1 – No Guia do Peregrino eles definem o grau de dificuldade da trilha, em cada percurso, com 1, 2 ou 3 botinhas, que deveriam significar fácil, médio e difícil. Com o tempo vim a descobrir que a significação verdadeira é difícil, quase impossível, insuportável. Naquele primeiro dia, eram 3 botinhas!
Logo na saída, depois do perrengue com o francês e da possibilidade de passarmos fome (o que se concretizou, inevitavelmente) ainda enfrentamos o frio, a chuva e uma neblina que insistia em nos acompanhar. Pareciam aquelas nuvenzinhas que ficam sobre as cabeças dos personagens de história em quadrinhos. Mas eu pensava e, para não deixar o Maurício muito triste, dizia: - Logo, logo esse nevoeiro vai dissipar e você vai ver a vista mais linda da sua vida.
Caminhamos, caminhamos, caminhamos... nada. Para não dizer que não tinha nada, foi lá, nos Pirineus, que ouvi pela primeira vez o som de um Cuco que não fosse aqueles de relógio.
Nada de nada mesmo. A neblina não sumia, não víamos um palmo à frente do nariz, os 10 quilos transformaram-se em 100...
Naquele momento tive vontade de morrer. Para falar a verdade, naquele dia tive, por diversas vezes, duas vontades que me acompanharam: matar e morrer.
Já tínhamos andado umas 6 horas, comido o escasso lanche, quando, entre o nada e o coisa nenhuma, ouvimos um assovio. Primeiro bem longe, achei que fosse um pássaro, depois foi se aproximando... e eis que surge um grupo de peregrinos 5 estrelas!
Parêntesis 2 – Peregrinos 5 estrelas são aqueles que só querem ter a Compostelana (certificado que se recebe ao final da jornada) para pendurar na parede ou para aparecer na Caras. Eles caminham e não carregam nem a água que tomam. Têm gente para carregar tudo, carro de apoio, guia e ainda dormem em hotel.
O guia era um espanhol (eu acho, já faz tanto tempo e eu não tenho nada escrito, trago tudo de memória!) que falava português, de nome Alberto, que assoviava feliz! Uma felicidade irritante! Perguntei-lhe se faltava muito. Ele disse que não, que mais uma hora de caminhada chegaríamos! E lá se foi, a passos largos, seguido daqueles pseudo-peregrinos.
Foi a mentira mais piedosa que ouvi durante minha Caminhada.
Sei que andamos o dia inteiro. Não vimos p... nenhuma dos Pirineus. E eu pensei seriamente em desistir.
Lá pelas 5 da tarde, depois de mais de 10 horas de caminhada, chegamos a Roncesvalles. Minha exaustão estava estampada no meu rosto. Eu não agüentava dar nem mais um passo. Fizemos o registro e a “hospitaleira”, muito educada, me perguntou o que eu tinha, foi a deixa, comecei a chorar e disse que estava exausta; achei que ela me confortaria, diria palavras amenas. Ela, que nem oficial nazista, me olhou bem nos olhos e disse: - Está aqui porque quer. Ainda é hora de desistir! Ninguém está te obrigando.
Gente, juro que não matei a mulher porque ainda não tinha comprado meu cajado. Porque se estou com ele eu tinha dado na cabeça dela até não sobrar nem um fio de cabelo.
Como prêmio ela me colocou no último andar do prédio, que só tem escadas!
Parêntesis 3 – Quando estávamos fazendo a nossa pseudo-preparação, eu falava para a Cris, só tenho medo de 3 coisas: passar fome, tomar banho frio (odeio!) e comer peixe (detesto!).
Nesta confusão da chegada eu perdi o Maurício e a Cris de vista.
Cheguei lá em cima, coloquei minha mochila na cama, a cara vermelha e inchada de tanto chorar, peguei minhas coisas e fui tomar banho.
Sabe banheiro de internato? Aquele monte de portinha? Era assim. Entrei numa delas, olhei e tinha duas torneiras. Abri a primeira: água fria, esperei um tempo, continuava fria. Fechei e abri a segunda, água gelada, esperei, continuava gelada. Nisso eu já nem chorava mais, faltava força. Enfrentei um banho frio, num frio de rachar. Saí do banheiro roxa, tremendo e chorando outra vez, de ódio da mulher!
Nisso encontro a Cris:
- Kátia! Você está roxa!
- Claro! Acabo de tomar banho gelado nesta m... de lugar!
- Você viu um botãozinho do lado da torneira?
- Vi. Por quê?
- Era só apertar que saía água quente!
Daí eu chorei mais ainda, de ódio de mim!
Mudei a roupa e pensei: Agora eu vou comer!
Desci, comprei o tal do “vale” para o jantar e encaminhei-me para o restaurante. Fui barrada na porta! Comida só depois da missa!
*&=+%$, nem católica eu sou e vou ter que ficar com fome por causa de uma missa!
Gente, devo confessar que a missa é linda. É a missa que abençoa os peregrinos para a caminhada, toda em canto gregoriano, e eles ainda dizem a prece no idioma dos peregrinos presentes!
Acabada a missa corremos para o refeitório.
Comida, tchan, tchan, tchan!!!!!
Sentamos e eles colocaram uma cestinha com pão. Fui logo comendo e roubando uns dois pedaços que escondi na pochete (meu bat cinto) para comer no dia seguinte.
Aí veio o primeiro prato: Uma água amarelada com umas bolinhas, parecendo isopor, flutuando... eu imaginei a sopa da minha mãe, fechei os olhos e tomei a água todinha.
Segundo prato: Truta! Tentei argumentar: não daria para eu comer um ovo. A filhote da nazista hospitaleira respondeu: é truta ou truta!
E eu comi a truta!
Resumo dos primeiros 28 quilômetros: No primeiro dia enfrentei todos os meus medos: passei fome, tomei banho frio e comi peixe. O que viesse dali em diante seria lucro!

Preciso registrar a manifestação do Mauricio:
Olá, Eu sou o Mauricio amigo de caminhada e coração da Katia e Cris.

Sim , elas são doidas e acredito que deveriam ser presas por formação de quadrilha.

Puts, eu só queria rachar a conta do táxi.

A verdade é que na “magia” do caminho acabei embarcando numa maravilhosa história que estará sempre presente comigo. Obs : não sou do tipo machão, e caí no conto que as duas me passaram para ir para França. (Ainda bem)

sexta-feira, 25 de julho de 2008

SANTIAGO DE COMPOSTELA - A SAGA

Início da Jornada rumo aos Pirineus

E vamos em frente com nossa história...
Com toda carga emocional que foi nossa chegada a Saint-Jean-Pied-de-Port, acabamos por não nos preocuparmos com as coisas práticas, que com o tempo (muito pouco tempo, por sinal) descobriríamos serem imprescindíveis, como, por exemplo, comprar com antecedência o que comer na manhã seguinte.
Preocupamo-nos em arranjar um lugar alternativo para dormir, já que o albergue estava lotado, tomar banho, nos arrumar, etc.
Quando saímos, as lojas, vendas, padarias, tudo já estava fechado.
Tudo bem que é uma cidadezinha mínina (ou era, em 2000), mas só encontramos dois restaurantes. O primeiro não aceitava cartão nem dólar. O segundo aceitava Visa! Viva! A Cris tinha um! Então ali começou uma conta, controlada por mim: Kátia deve a Cris, Maurício deve a Cris, Cris deve a Kátia, Kátia deve a Maurício... só eu para entender... a cada três ou quatro dias, a gente “passava a régua” até, momentos depois começar tudo outra vez.
O cardápio! Eu não compreendia nada! Tudo em francês. A Cristina ainda tentando fazer o Maurício acreditar que ela sabia francês, mas, a essa altura, já estávamos rindo do ocorrido. Acabamos por comer o que eles diziam ser frango (parecia pinto de tão pequenininho!), pagamos os olhos da cara para o padrão peregrino, mas comemos!
Dormimos o sono dos justos (e dos cansados).
Amanhece – mentira! O relógio diz que são 6 horas da manhã, mas lá fora é noite escura.
Um frio de cortar até osso! Fome! Tudo fechado!
Saímos todos paramentados, mochila nas costas, o coração na boca e o estômago nas costas!
Passamos por umas ruelas, seguindo as setas amarelas e as placas que indicavam o Caminho ou Rota Jacobea, para eles.
Até que eu ouço o barulho de uma porta se abrindo e vejo tratar-se de uma pequena padaria. Pensei: Nossa salvação!
O sujeito, meio gordo, muito mal encarado, estava arrumando as coisas, aproximamo-nos e, numa mistura de francês, espanhol, português explicamos que estamos com fome e se ele poderia vender-nos pão, suco, etc. mas que teríamos que pagar em dólar.
O danado na mesma hora:
- Na frança, dinheiro francês!
E vocês acreditam que ele não nos vendeu nada? Argumentamos, pedimos, imploramos. Nada. Não se comoveu. Deixou-nos com fome.
Gente, naquele momento eu perdi toda a fineza que minha mãe levou décadas para ensinar-me: comecei dizendo que na minha terra não se deixa nem cachorro de rua com fome (tudo em portunhol, claro! para que ele entendesse, pelo menos, o sentido) e segui mandando enfiar o pão vocês sabem onde... e daí falei tanto palavrão que nem eu mesma sabia que fazia parte do meu repertório.
Saímos dali com fome, mas com a alma lavada!
Resolvemos fazer um balanço das nossas posses:
Maurício – uma barra de chocolate.
Cristina – um pacotinho de amendoim, um pacotinho de bolinhas de Nescau e um pouco de pólen em pó (diz ela que dá muita "sustância" - rs).
Kátia – dois, ouviram bem, DOIS pacotinhos de amendoim, dois de bolinhas e um pouco de granola.
Parêntesis: No avião, quando a aeromoça deu a caixinha de lanche eu resolvi pedir uma extra, acho que era minha parte bruxa com medo de passar fome, no que a Cris me chamou de mal-educada. Ah! Também roubei um travesseiro do avião, porque não sei dormir sem travesseiro (lá na frente vocês ficarão sabendo a história do traesseiro).
Nós sabíamos que aquele primeiro dia de caminhada não teria nenhuma parada, nenhuma cidade na trilha, nada. Era um percurso só, até Roncesvalles, na Espanha
Resolvemos seguir adiante, enfrentar os temidos e maravilhosos Pirineus com o que tínhamos!
Pedimos proteção a Deus e a São Tiago e pé na estrada, ou melhor, na trilha.

PS. Aos que estão preocupados, Maurício tornou-se um grande e especial amigo, por quem tenho um carinho enorme. Continuamos nos falando, escrevendo e vendo-nos quando a situação permite.

PS2. Maurício e Cristina – Manifestem-se e dêem seus depoimentos! Daqui a pouco vão achar que vocês são meus amigos imaginários - rs

Mapa Rota Jacobea já na trilha, nos Pirineus (gente, é neblina mesmo!)

terça-feira, 22 de julho de 2008

SERIA CÔMICO, NÃO FOSSE TRÁGICO

Saint-Jean-Pied-de-Port

Vocês sabem que tudo começou com o grande sonho: Fazer o Caminho de Santiago de Compostela. Daí passei anos recolhendo material, estudando, lendo, assistindo, etc. tudo o que se relacionava com o Caminho, até que eu e a Cristina, enfim pusemos o pé na estrada. (vide capítulos anteriores)
Como tinha na memória tudo sobre a peregrinação, as pessoas com as quais iríamos encontrar acabaram se tornando grandes amigas, embora elas não soubessem disto.
Chegando ao aeroporto de São Paulo, o primeiro imprevisto: depois de horas de espera, o aviso que nosso vôo havia sido cancelado. Ficamos nós, duas “senhoras” de meia-idade, de “terninho” preto (só diferenciava pela gola, no mais parecia uniforme), sapatinho e mochila nas costas. Fomos para o hotel, só com a roupa do corpo, para, no dia seguinte, pegarmos o vôo.
Como boa mineira que minha amiga é, resolvemos ir para o aeroporto umas três horas antes do previsto. Passeia pra cá, anda pra lá, resolvemos comprar uma “lembrancinha” para a Madame Debrill (em alguns lugares seu nome aparece com apenas um “l”), a primeira pessoa que iríamos encontrar, citada em todos os livros, lenda viva do Caminho. Como gringo gosta muito daqueles bichos de pedra, escolhemos um pequeno tucano, bem colorido, e lá fomos nós, rumo a Madri, com o tucano na bolsa.
Em Madri saímos do aeroporto, nós e Deus, e decidimos que a partir daquele ponto acabariam as mordomias, assumiríamos nossa condição de peregrinas, então, sem conhecer nada, pergunta daqui, indaga ali, chegamos à rodoviária, onde pegamos um ônibus para Pamplona para, dali, seguirmos para Saint-Jean-Pied-de-Port, que fica na França e seria nosso ponto de partida. Sabíamos que seria difícil conseguir ônibus, pois só tem um, e o melhor seria tentarmos dividir o táxi com outros peregrinos (facilmente reconhecíveis pela indumentária e mochila, claro!).
Chegando em Pamplona fomos verificar o horário do ônibus: só teria às 18:00 h, o que inviabilizaria nossos planos, pois tínhamos receio de chegar à noite, sem conhecer nada. Partimos para conseguir um táxi, quando, encostado numa pilastra, um peregrino nos pergunta, com um forte sotaque:
- “Ustedes” van a Roncesvalles?
Cristina, na mesma hora respondeu:
- Si, vamos, usted también?
- Si, si... respondeu o rapaz
- Perái, você é brasileiro... (diz a Cristina)
- Sim sou, responde o rapaz...
- Então porque estamos falando em espanhol?
Demos boas gargalhadas, comentamos a coincidência de termos nos encontrado e explicamos que nós iríamos para Saint-Jean, mas que toparíamos dividir o táxi com ele até Roncesvalles e de lá seguiríamos sozinhas.
Nos apresentamos e iniciamos viagem. Pelo caminho íamos falando com Maurício (paulista):
- Ah! Você tem que começar pela França, atravessar os Pirineus, é lindo (como se conhecêssemos)...
- Imagina, ter sua credencial carimbada pela Madame Debrill, uma das pessoas mais importantes do Caminho...
- Perder a oportunidade de conhecer uma cidade da França..., etc... etc...
O Maurício retrucava:
- Mas eu não conheço nada sobre esta parte do Caminho,
- Eu não falo francês...
Ao que Cristina retrucou:
- Eu falo, não se preocupe...
Tive que me esforçar para não cair na gargalhada, realmente ela fala francês:
- Pardon, Monsieur, s’il vous plaît...e emenda o resto em português... e mais nada.
Passamos o percurso tentando convencê-lo a ir conosco. Nada feito, chegando em Roncesvalles descemos do táxi, pagamos e fomos descobrir o telefone para chamar outro táxi que nos levaria até Saint-Jean. Anda pra cá, corre pra lá e nada. Daqui a pouco chega o Maurício: -
Resolvi ir com vocês, o táxi nos leva até lá.
Maravilha! Pensamos. No mínimo devia estar passando pela cabeça dele: Eu sou macho ou não sou? Como essas duas velhas se aventuram a ir para a França e eu, que sou homem com H maiúsculo não vou também? E todas essas conjecturas machistas... Para nós estava ótimo...
Chegamos em Saint-Jean. Eu “muito culta” sobre o Caminho fui logo falando:
- Não se preocupem, eu sei onde é. É só atravessar a ponte, subir esta rua, é um sobrado de janelas verdes...
E saí andando na frente como se estivesse na minha cidade natal. Acontece que a Cristina não confiou muito em mim e também ela adora pedir informações... Daí, no meio da ladeira, ela grita para um senhor do outro lado da rua:
- Monsieur, Madame Debrill?
- Madame Debrill et mort.
- Kátia, Madame Debrill morreu! Fala-me a Cris com os olhos arregalados.
- Deixa de ser boba Cristina, como ela morreu? Você nem sabe francês... respondo.
- O que? Você não fala francês? Indaga Maurício já assustado.
- Falo sim... desconversa a Cris.
Mais umas perguntinhas e chegamos ao albergue, que não era a casa da Madame Debrill o que já me deixou desconfiada. Somos recebidos por um casal francês, os Marchiset. Num espanhol claudicante pergunto pela Madame Debrill, ao que a Maitëna me responde:
- Madame Debrill es muerta.
Foi a senha, eu comecei a chorar inconsolavelmente, acompanhada pela Cristina, claro! Os franceses, sempre tão impessoais e distantes, não sabiam o que fazer com a gente... Eu chorava e falava: - Nós trouxemos um presente para ela... e chorava mais – Eu queria tanto conhecê-la... e chorava mais ainda. Nesta altura Monsieur Marchiset já havia levantado e estava me abraçando e me consolando como se a morta fosse uma pessoa da minha família.
- Ela não sofreu, foi de repente... dizia-me ele, chorando comigo.
O Maurício assistia a tudo, encostado numa parede e imaginando “Onde fui amarrar minha égua, essas mulheres são doidas, onde já se viu chorar assim por uma pessoa que elas nem conhecem. Ah! Se arrependimento matasse...”
Depois de muita choradeira, Maitëna me pergunta se eu não quero ir lá ver a Madame Debril, que havia morrido há três dias: Claro, respondo, no que sou acompanhada pela Cris. Maitëna propõe que deixemos as mochilas no albergue e que nos levaria até lá. O Maurício, sem saber o que fazer, resolve nos acompanhar, claro! Vamos nós pelas ruas, eu abraçada à francesa, querendo saber detalhes da morte, acompanhada pela Cristina e Maurício. Até então eles (Cristina e Maurício) estavam pensando que ela nos levaria até o cemitério. O Maurício, que só muito tempo depois ficamos sabendo que morre de medo de cemitério, mortos, etc devia estar pensando: Quando chegar lá elas entram e eu fico do lado de fora... Só que na Europa o costume é outro, quando se morre alguém, o corpo é embalsamado e fica na funerária por uma semana, para as pessoas visitarem, se despedir, e só depois então é que é enterrado.
Chegamos numa casa, sem nenhuma indicação, nem uma placa, nada, a Maitëna entrou e nós a seguimos: Surpresa: A Madame Debril estava esticadinha, numa cama, toda arrumadinha dentro do que que pareceu um casulo de matelassê de cetim branco. O Maurício ficou branco que nem o cetim, encostou na parede e a gente não sabia o que era Maurício e o que era parede. Eu desandei a chorar outra vez, a Cristina, que é professora de yoga e adepta a meditação, práticas indianas, começou a entoar um mantra. Eu não podia deixar minha amiga sozinha, cantei com ela o mantra, choramos bastante, peguei o tucano de pedra, tirei da sacolinha e coloquei sobre a defunta. Nesta altura o Maurício já devia estar pensando uma maneira de ficar livre de nós...
Nos despedimos e fomos embora.
Começamos o Caminho no dia seguinte (acompanhem os próximos capítulos), passamos por inúmeras dificuldades e dias depois, já em Puente La Reina, encontramos com dois irmãos brasileiros: José Carlos e Jairo. Conversa vai, conversa vem, eles nos perguntam: Vocês viram a Madame Debrill?
- Vimos sim, e vocês?
- Nós vimos, chegamos lá no dia do enterro... Tinha muita gente... Só não entendemos uma coisa.
- O quê?
- Tinha um tucano de pedra sobre a defunta. Até ficamos pensando: Isto está parecendo coisa de brasileiro...
Eu e Cris começamos a pular e dançar, e dizíamos:Fomos nós... fomos nós... rindo prá valer.

domingo, 20 de julho de 2008

QUEM ESCOLHE É O CAMINHO


Durante décadas acalentei três grandes sonhos: fazer o Caminho de Santiago, fazer a Trilha Inca e conhecer as Ilhas Gregas, os dois primeiros eu já realizei, o terceiro, com certeza, ainda não chegou o momento, porque descobri que nunca sou eu quem escolhe, mas os destinos que escolhem por mim.
Mas para explicar isso tenho que voltar no tempo (voltar muito, rs).
Quando eu era criança, pobre, sem grandes perspectivas de futuro, eu vinha com meus sonhos mirabolantes e meu pai sempre dizia: - Minha filha, pobre honesto, como quero que vocês sejam, só têm um caminho para vencer na vida: Estudo!
Com isso eu estudava com afinco, sempre tirava as melhores notas, mesmo tendo começado a trabalhar com 12 anos (se fosse agora estávamos “no sal”, seria trabalho infantil) nunca me faltou tempo para nada. Principalmente para ler todos, literalmente, os livros da pequena biblioteca do nosso Ginásio. Lá eu me apaixonei pelas Ilhas Gregas, porque paixão a gente não esquece, guarda dia, hora, lugar.
A Trilha Inca caiu no meu colo em 1979, assistindo a uns slides (naquela época em ainda existiam slides projetados na parede) sobre a viagem de um amigo - Marcus, que no futuro viria a ser pai-irmão-confidente-conselheiro, que ama viajar e que tinha ido a Cuzco e Machu-Picchu. Daí falei: - Um dia eu vou, mas quero fazer a trilha, porque comigo é assim, nunca pela metade.



O Caminho de Santiago foi em 1984. Lendo uma revista sobre aventuras, ele estava lá, na lista das aventuras pelo mundo. Numa época em que a internet não existia, comecei a pesquisar escrevendo cartas à revista, buscando enciclopédias, etc.
Com o advento da internet as coisas ficaram mais fáceis, depois Paulo Coelho fez do Caminho o que fez. Tudo bem que foi ele quem disseminou entre 99% das pessoas o conhecimento da existência do Caminho, mas ficar sete dias andando em círculos nos Pirineus, nem eu com toda a minha demência!
Mas a vida nunca segue nossos planejamentos. No princípio eu tinha tempo mas não tinha dinheiro, quando vim a ter um pouco dinheiro, não tinha tempo, e assim os anos foram passando, nunca coincidindo tempo e dinheiro. Mas nunca deixei de estudar sobre esses três lugares. Comprava revistas, livros, conversava com pessoas e, assim, ia me preparando porque sabia que um dia eu iria.
Neste ínterim, minha professora de ioga desistiu de dar aulas e me indicou outra – Cristina, que viria a se tornar uma grande amiga.

Um dia, já nos anos 90, conversando com a Cris falei do Caminho e ela me disse que também era o grande sonho dela, mas que também não tinha dinheiro. Naquela época eu ainda era meio imediatista, esperar para mim era um tormento. Eu achava que estava sendo castigada por Deus (naquele velho conceito católico apostólico romano).
Aposentei-me, o tempo foi passando... E sempre conversávamos, eu e a Cris, sobre nossa ida. Ela me dizia: - O dia que conseguirmos vender a casa que recebemos por herança (ela e os irmãos), nós vamos, nem que eu pague sua parte.
Eu contestava: - Preocupa não, na hora certa o dinheiro vai aparecer.
Foi então que em dezembro de 1999 eu recebi um telefonema de uma agência bancária pedindo meu comparecimento. Fui ver o que era. Qual não foi minha surpresa ao descobrir que, na correria para minha aposentadoria, eu havia aberto uma poupança “a regularizar” (coisa de gente que trabalha em banco) e me esquecido completamente! Resultado: Ali estava o dinheiro para a viagem, ou melhor, o dinheiro para me manter na Espanha, porém ainda faltava o da passagem.
Na mesma semana fomos a uma festa e ficamos na mesma mesa, eu e meu esposo, Marcus (aquele dali de cima) e esposa, e eu, toda eufórica, contei para ele os meus planos. Parêntesis: Marcus já deu não sei quantas voltas ao mundo, para ele nada substitui a cultura que se adquire com as viagens. Ele amou e então seguiu este diálogo:
- Quer dizer que você quer fazer o Caminho de Santiago e só falta a passagem?
- É Marcus, mas na hora certa eu vou conseguir, quem sabe no final do ano que vem, com o 13º salário...
- Então pode marcar já. Não falta mais nada. Vou te dar a passagem.
Eu caí num pranto que não conseguia nem falar. Como assim? Ninguém dá uma passagem para Europa a um amigo! Foi quando sua esposa me disse: - Kátia, Marcus te ama como a uma filha, aceita!
No final aceitei com a condição de pagá-lo quando pudesse (não se preocupem, eu paguei sim, tá?).
Isso aconteceu numa madrugada de sábado para domingo (14 de dezembro de 1999), estávamos em recesso da ioga e Cris tinha ido para Belo Horizonte visitar parentes. Ou seja, estava incomunicável, pelo menos para mim.
Meu estômago dava voltas de tanta ansiedade. Mas eu sabia que teria que esperar, que a melhor época era maio-julho, etc.
Quando a Cris voltou, em janeiro, não quis falar ao telefone. Fui cedo para a aula e logo contei as novidades e logo estávamos abraçando-nos e chorando e rindo... mas ela seguia sem o danado do dinheiro.
Porém o meu “faro” de bruxa me dizia que era uma questão de tempo.
Março chegou.
Fui para a aula de ioga e encontro Cris com os olhos rasos de água e um doce sorriso no rosto. Ela me olha e me pergunta: - Adivinha o que aconteceu?
Não precisei adivinhar, eu sabia: - Você vendeu a casa!
- Vendemos! Santiago, lá vamos nós!

quinta-feira, 17 de julho de 2008

RESPOSTA AO POETA (OU PODERIA SER DESNUDANDO A ALMA)

A convite do meu amigo Poeta Mauro Rocha, aceitei participar desta brincadeira.

Achei uma forma da gente se conhecer melhor, portanto, aqui está:


Caso você vá para uma ilha deserta por algum motivo não explicado (tipo LOST) rs, porém é só você e mais ninguém, você tem o direito de levar: 5 discos, 5 filmes, 5 livros apenas para passar o tempo, quais escolheria?
Lembre-se só 5 e nada mais, no caso dos discos não pode ser coletânea e se escolher tanto o grupo quanto o cantor, deve informar qual o disco, ex: Michael Jackson (Triller), e os livros o nome do escritor, depois escolha 5 pessoas para fazer o mesmo!!!
Minha Resposta (com direito a réplica, mas deixo registrado meu protesto porque considero "sacanagem" de quem inventou a brincadeira, porque hoje em dia todo mundo tem pelo menos um aparelhinho de MP3 de 1 GB...):
5 DISCOS
- Zizi Possi - Valsa Brasileira
- Chico Buarque - O Amante (volume da coleção 50 anos)
- Kevin Kern - Enchanted Garden
- João Bosco - Na Esquina (ao vivo)
- Nelson Freire - Beethoven Piano Sonatas
5 FILMES
- Casablanca
- As Pontes de Madison
- Sociedade dos Poetas Mortos
- Amor Além da Vida
- Em Nome de Deus (História de Abelardo e Heloísa)
5 LIVROS
- Allan Kardec - O Livro dos Espíritos
- Taylor Caldwell - Médico de Homens e de Almas
- Antoine de Saint-Exupèry - O Pequeno Príncipe
- Robert Heilein - Um Estranho numa Terra Estranha
- Santo Agostinho - Confissões (Acho que só assim conseguiria lê-lo até o final rs!)
5 PESSOAS PARA PARTICIPAR
- Jacinta Dantas - Florescer
E que eles continuem meus amigos (rs)
Um grande beijo a todos

terça-feira, 15 de julho de 2008

CAMINHO CRISTÃO

Faz pouco tempo que uma pessoa me perguntou por que eu havia feito o Caminho de Santiago se não sou católica. Então fui explicar para ela a minha visão do que é o Caminho, que antes de tudo é um caminho Cristão. Para os que não conhecem, vou começar esta peregrinação (é isso que pretendo fazer, mas sem bolhas nos pés – rs) resgatando a “história” (ou lenda, como crêem alguns) do Caminho.
Seguindo a orientação de Jesus, após sua ressurreição, que disse a seus discípulos: "Ide e Pregai", seus Apóstolos saíram da Judéia para espalhar suas palavras em terras desconhecidas.
Tiago, filho de Zebedeo e Salomé e irmão de João (também Apóstolo e um dos quatro Evangelistas), frustrado com as constantes perseguições que sofreu Cristo e que continuava atingindo todos os demais cristãos, decidiu pregar em Finisterrae um lugar muito remoto onde não havia perseguições aos cristãos. Esta região, localizada na parte mais a oeste da Europa, era então considerada o fim do mundo, daí o seu nome – “Fim da Terra”. Após uma longa jornada, em um pequeno veleiro que praticava o comércio em todo o Mediterrâneo, chegou a Iria Flávia, cidade na qual conseguiu vencer várias dificuldades iniciais e à partir da qual iniciou seu trabalho de evangelização entre os povos da região.
Após seis anos de pregação, decidiu que era hora de voltar à Palestina a fim de contar o que tinha conseguido e trazer mais evangelizadores à Hispania (atual Espanha).
O retorno foi muito difícil e dois anos depois finalmente aportou em Jafa e seguiu para Jerusalém. Nesta época os judeus eram regidos por Herodes Agrippa, que levou as perseguições aos judeus às últimas conseqüências. Após um curto período de pregação, Tiago foi preso e sentenciado à morte por decapitação e abandono dos restos mortais às feras do deserto.
Porém, antes de morrer Tiago pediu a dois de seus discípulos, Atanásio e Teodoro, que enterrassem seu corpo nas terras distantes onde pregara. Seus restos, assim, teriam sido depositados numa tumba de mármore e levados de barco até a cidade de Iria Flavia, hoje Padrón, às margens do Rio Ulla. A viagem seguiu por terra até um bosque chamado Libredón, onde enfim, ele acabou sendo enterrado no ano de 44 d.C.
Passaram-se quase setecentos anos, e só em 822 (alguns firmam a data 813) um eremita de nome Pelayo, viajando pelo interior da Espanha, percebeu uma grande chuva de estrelas. Foi até o local onde elas caíam e depois avisou o bispo da região da Galícia, Teodomiro, da existência de um “Campus Stellae” (Campo de Estrelas). Segundo os relatos, havia uma estrela fixa que iluminava o local do sepulcro.
O bispo mandou investigar e, após as escavações, foi descoberto o jazigo com o nome do apóstolo Tiago. O cemitério então, da época romana, ficou conhecido nos escritos medievais como “El Campo de la Estrella”.
O rei da Espanha Afonso II, o “Casto”, mandou erigir um pequeno templo para proteção da tumba apostólica, uma capela de pedras e um monastério. Assim nascia "São Tiago do Campo das Estrelas", numa referência às luzes que guiaram o ermitão e que depois inspirou Compostela.
Mas, em 997, o templo foi incendiado pelos muçulmanos e, desta vez, o rei Alfonso III, ergueu um novo templo, muito maior do que a capela que havia no local. Tiago transformou-se num “símbolo vivo” da resistência cristã aos ataques muçulmanos no território espanhol.
Após a queda de Roma, se divulgou pela Europa a aparição do sepulcro do apóstolo e logo se iniciou o movimento de peregrinos até a tumba. Assim, Santiago se consolidou como um dos três centros de peregrinação européia, junto com Jerusalém e Roma.
Por ele caminharam todas as classes sociais da Europa: santos e pecadores, reis e plebeus, homens de guerra e de paz, etc. Nos tempos iniciais o caminho não tinha um traçado fixo e inalterável. Os primeiros peregrinos deveriam andar através da Cordilheira Cantábrica, e pouco a pouco, foi-se fixando uma rota permanente.
A primeira grande peregrinação conhecida deu-se no ano de 951, o bispo Gotescaldo, de Le Puy, de uma cidade francesa, saiu a cavalo para visitar o túmulo do santo. Depois disso, no século XI, Le Puy e outras cidades francesas ficaram conhecidas como tradicionais pontos de partida até Santiago. Pessoas de várias partes da Europa passaram a repetir o feito do bispo.
Por todos esses séculos, a Catedral de Santiago de Compostela, onde jaz os restos mortais legendários do apóstolo São Tiago, santo padroeiro da Espanha e que é comemorado no dia de 25/07, passou por uma série de ampliações arquitetônicas.
O primeiro registro oficial sobre os caminhos dos peregrinos Compostelanos data de 1131, que sob encomenda do Papa Calixto II, o sacerdote francês Aymeric Picaud, escreveu o primeiro guia de acesso a Santiago.
O “Códice Calistini” ou “Liber Sancti Jacobi” foi a primeira publicação a ratificar o Caminho a Compostela e descrever todos os passos do trajeto "iniciático" à cidade Santa.
A tradição do Caminho de Santiago como uma das maiores rotas de peregrinação do Ocidente desde a Idade Média, está cada vez mais viva. O que historicamente foi uma das rotas mais importantes de peregrinação cristã é hoje um dos principais roteiros turísticos da Espanha.
Atualmente, a rota mais conhecida e pergorrida inicia-se na cidade francesa de Saint-Jean-Pied-de-Port e atravessa os Pirineus até Roncesvalles, na Espanha.
O Caminho de Santiago não inicia quando você tira a “Credencial del Peregrino”, ou quando compra a passagem, nem mesmo quando dá o primeiro passo. O Caminho inicia quando brota, no fundo do seu coração e da sua mente a vontade de fazê-lo, o tempo de espera é, com certeza, o tempo que Deus acha necessário para cada um. No meu caso a espera foi de 20 anos.
Mas isso é assunto para o próximo capítulo.

domingo, 13 de julho de 2008

SANTIAGO DE COMPOSTELA

Este pequeno quadro representando um Peregrino Medieval do Caminho de Santiago de Compostela (França-Espanha) foi umas das poucas coisas materiais que trouxe de lá. Trouxe foi muita história, amizades, poema, aprendizagem.
Estava pensando que ainda não contei aqui nada sobre O Caminho - é assim que o chamo, mesmo já tendo feito outros e percorrido outras trilhas... e depois que eu contar alguma coisa sobre ele vocês entenderão o porquê.
Hoje vou deixar somente um poema, feito em Triacastela.
É só para começar:

PEREGRINO
Andar, andar,
Seguir sempre adiante:
Este é o lema.
Subir, subir,
Tentar encostar a mão nas nuvens:
Este é o sonho.
Descer até não mais poder:
Este é o intento.
Superar os próprios limites:
Este é o desafio.
Parar,
Contra a vontade,
Violentando nosso querer
Quando Deus assim determinar.
Se isso não é compreender o Caminho,
Pelo menos é tentar!
Autora: Kátia Corrêa De Carli - inédito

sexta-feira, 11 de julho de 2008

SE VALEU? E COMO!

Eu não podia deixar-los “no ar” depois da história anterior.
Pois é, fomos para o teatro, acabamos não indo muito cedo porque eu tinha outros compromissos e atrasei-me, mas mesmo assim chegamos com uns cinqüenta minutos de antecedência e qual não foi a minha surpresa ao constatar que não havia fila para entrar. Ou seja, a minha paranóia (justificável, porque no show anterior a fila começou às quatro) acabou revelando-se uma aliada: Fomos as primeiras!
Que nem nos shows de antigamente, quanto eu tinha tempo, idade, disposição e histeria nas medidas necessárias (ou não, rs) isso era tudo que eu sonhei: o palco, eles e eu, a nos separar somente o microfone.
Vocês devem estar me chamando de tiete, e não estão errados (mas não se preocupem, não dou gritinhos, não faço propostas obscenas, nem disputo o show), mas não tem como não ser fã de pessoas que conseguem, que nem o Amaro, fazer um hino de amor à nossa cidade como este:



Ou, então no caso do Vander Lee, que diz ao meu coração:
Sabe o que eu queria agora, meu
bem...?
Sair chegar lá fora e encontrar
alguém
Que não me dissesse nada
Não me perguntasse nada também
Que me oferecesse um colo ou um
ombro
Onde eu desaguasse todo
desengano
Mas a vida anda louca
As pessoas andam tristes
Meus amigos são amigos de
ninguém.

Sabe o que eu mais quero agora,
meu amor?
Morar no interior do meu
interior
Pra entender porque se
agridem
Se empurram pro abismo
Se debatem, se combatem sem
saber

Meu amor...
Deixa eu chorar até cansar
Me leve pra qualquer lugar
Aonde Deus possa me ouvir
Minha dor...
Eu não consigo compreender
Eu quero algo pra beber
Me deixe aqui pode sair.
Adeus...

Daí que fiquei lá, embasbacada, emocionada, alimentando minha alma de música e energia.
Se valeu o sacrifício?
Oh! Valeu!
Como valeu!

Composições: Amaro Lima – Paraíso
Vander Lee – Onde Deus Possa me Ouvir

quarta-feira, 9 de julho de 2008

NEM TUDO É O QUE PARECE

De acordo com pesquisa no nosso “santo” Google, a origem da expressão idiomática “programa de índio” não é muito certa, mas provavelmente vem da idéia dos povos indígenas serem vistos como seres sem sofisticação, sem os confortos da vida moderna. Fazer trilha no meio do mato? Isso é programa de índio! Visitar uma praia deserta onde não tem nada? Isso é programa de índio! Ir a uma floresta só para ficar observando os passarinhos? Isso é programa de índio! Mas tudo isso porque são coisas que os índios habitualmente fazem (ou faziam, em priscas eras – no tempo em que se usava a palavra priscas).
Com o passar do tempo, o significado da expressão expandiu-se para cobrir todo tipo de programa que não deu, não dá, ou não dará certo, ou, ainda, um programa que demande muito esforço.
Um programa em que tem gente demais, ou que parece chato, ou que obriga passar muito calor, ou sem organização, ou, como no que parece ser o significado original, totalmente destituído de qualquer luxo, é programa de índio!
Todo mundo já fez um dia um programa de índio, como, na minha classificação, fazer compras na Rua 25 de Março em São Paulo, enfrentar fila para ir ao estádio (em qualquer lugar do mundo), fazer piquenique em praia deserta em dia de vento e ser obrigada a comer farofa de areia e por aí vai...
Hoje eu fiz um!
Às 09 da madrugada fui para o centro da cidade enfrentar uma fila para pegar ingresso para o projeto “Seis e Meia”, cuja distribuição iniciaria às 12:00 h.
Tudo bem que o show será do meu amado sobrinho de coração Amaro Lima (quem não conhece está perdendo!) e do Vander Lee, de quem sou fã de carteirinha.
Mas juro que na fase atual da minha vida, preferia pagar por um ingresso, com aquele numerozinho anotado da minha cadeira.
Mas sem esta de frescura... cultura para o povo... vamos lá!
E não esperem minha visita hoje, pois daqui a pouco terei que voltar para enfrentar a fila de entrada para garantir um bom lugar.
Tudo pelo cultural!
Amaro Lima (Divulgação)
Vander Lee (Divulgação)
Foto de Abertura: Ladeira Porto Geral, que dá acesso à Rua 25 de Março, São Paulo, num dia normal. Ou poderia ser "A visão do inferno". Para quem assistiu "Amor Além da Vida" essa ladeira me lembra quando Chris Nielsen, personagem vivido por Robin Williams vai à procura de Annie (Annabella Sciorra) no inferno e passa por um lugar em que ele pisa em cabeças... é o próprio cenário!

domingo, 6 de julho de 2008

INGRID BETANCOURT, UM OLHAR


Não sei se já comentei aqui, mas não sou daquelas mulheres que necessitavam da maternidade para se realizarem. Tudo bem, sou mãe, acho que fiz um bom trabalho na educação de meus filhos, mas a maternidade nunca esteve nas minhas prioridades de vida.
Vocês devem estar se perguntando o que isso tem a ver com Ingrid Betancourt. Aparentemente, nada.
Hoje, por conta da globalização e do acesso aos meios de comunicação, estou para jurar que metade da população brasileira pode não saber o nome do prefeito de sua cidade, mas sabe da libertação da Ingrid pelas Farc.
Quem me acompanha nunca me viu falar de política, futebol, pauta de jornal, apesar de correr em mim o sangue da jornalista. Esses assuntos têm sites inteiros, e de qualidade, a eles dedicados.
Mas não consigo me calar diante da libertação de Ingrid Betancourt.
Foi uma violência seu seqüestro? Acredito que ninguém em seu estado mental normal concorda com uma barbárie destas nos dias atuais.
Que não há mais espaço para lutas armadas? Isso é opinião pessoal e a minha é que nada justifica erguer armas contra outros seres humanos seja qual for a justificativa.
As humilhações, brutalidade, tudo pelo qual passou, não ouso sequer comentar, tamanha é minha tristeza ao constatar que ainda existem seres humanos capazes de tamanha crueldade.
Mas o que eu quero falar é apenas de um olhar.
O Olhar da mãe para seus filhos. E neste momento não importa se como eu ela tinha ou não instinto maternal ao pari-los, importa que uma vez mãe, a gente se transforma. Esquece de si. Passa para segundo plano.
É esta Ingrid que quero mostrar.
A mãe que não suporta mais a espera e embora tentem segurá-la, se desvencilha e sobe, resoluta, as escadas até o avião.
A mãe que procura, aflita, através do vidro da porta, pelos filhos dos quais foi brutalmente afastada.
A mãe que os abraça, beija e chora. Lágrimas que só ela saberia explicar (se é que existe explicação para este tipo de lágrima).
A mãe que os olha com uma ternura capaz de afetar qualquer ser a milhares de quilômetros, que a tudo vê, apenas pela telinha da tv.
A mulher que fala sobre as atrocidades contra ela cometidas, sem soltar as mãos dos filhos, lançando-lhes o olhar, fazendo-lhes um afago, dando-lhes um beijo, a todo o momento, como querendo convencer-se que não passava de um sonho.
A senadora, candidata ao governo, seqüestrada, prisioneira, refém, por mais de seis anos, só quer, qual leoa, lamber as suas crias.
Diz estar no paraíso, que “es el nirvana”.
E ai daquele que ousar tirá-la de lá.

Imagens: Três momentos de Ingrid Betancourt – fonte BBC Brasil.com

sexta-feira, 4 de julho de 2008

RAIO X

O Encontro era perfeito

Duas almas que se reencontravam
Que se compreendiam num olhar
Onde desnecessárias eram as palavras.
Cada qual deu o que de melhor tinha
Para o engrandecimento do outro
Uma música, um filme, livro
Poesias, rosas, conversas,
Passeios, exposições,
Energia nas palmas das mãos,
Tudo era oportunidade de crescimento
(até mesmo num ditado banal).
Mas ele amou com mais urgência
(já que amor não tem como medir)
Abriu mão de casa, família, emprego
Para sua amada seguir.
Ela mais lenta, covarde
Demorou muito decidir...
Daí seus caminhos se afastaram
Até não sobrar nem vestígio ao olhar.
Ele seguiu, cresceu, progrediu.
Ela ficou, também progrediu, mas não cresceu.
Ele se ateve às coisas grandes
Ela se apegou (nas palavras dele) às ninharias
Ele alçou novos vôos.
Ela ficou presa na calmaria
Ele se tornou homem melhor, brilhante
Ela? Mesquinharia...
Quando os caminhos tornaram a se encontrar
Para ela ainda era o mesmo amor
Para ele era passado
Para ela ele ainda era o herói
Para ele, ela era nada.
Mas ela não compreendia
E só quando em palavras
Tudo foi colocado
E ele falou em desamor
Em estorvo, incômodo,
Até insultos usou...
Em ela não ser quem havia imaginado
Que tudo não passou de um grande engano
Reduzindo-a a pouco mais que nada
Foi que ela chorou lágrimas secas
(anos de prática haviam-na preparado).
Haviam explicações para algumas atitudes
Mas agora eram desnecessárias
E ela, ainda com seu amor "menor"
(porque amor só sabe quem sente)
Dormiu algumas horas
(ou teriam sido minutos?)
E levantou ao alvorecer na manhã seguinte
Pronta para nova batalha
Triste, mas sem mágoa
Pois mágoa é sentimento de quem não ama.
E se algum dia seus caminhos voltarem a se encontrar
(há tanto mistério nos desígnios maiores)
Será maravilhoso,
Se não, não há nada a fazer.
Só terá nascido mais uma encruzilhada
Neste labirinto chamado viver.

Autoria: Kátia Corrêa De Carli - inédita
Imagem: Momunento ao Holocausto - Berlim - Alemanha

terça-feira, 1 de julho de 2008

Uma lente negra protege os olhos, dando chance a outros pontos de vista (Max de Castro)

Domingo.
Rua dos Artistas, Puebla, México.
Manhã (o que quer dizer por volta de meio-dia).
Passeei por entre os ateliers a céu aberto, os mestres e seus discípulos, arte de toda a espécie: uns pintam, outros desenham, outros tocam seus instrumentos, cantam, alguns utilizam uma árvore próxima como cenário e apoio para apresentação a la "Cirque du Soleil", etc.
É claro que me senti em casa... de artista e de louco, o resto todos sabem.
Sol a pino, aliado ao clima seco, cansa qualquer um.
Sento-me à sombra de uma árvore e passo a observar as pessoas.
Logo à frente um banco com crianças que saboreiam um "helado", rindo e conversando alto, as mães mantendo uma distância conveniente para todos.

Passa o rapaz maquiado de "sombra", imitando os que caminham, arrancando gargalhadas de todos, inclusive dos imitados que jogam-lhe moedas no chapéu.
Alheios a toda essa alegria, meus olhos deparam com dois jovens: estão sentados em um banco, um pouquinho mais afastados, mas nem tanto. Ele está semi-deitado e tem a cabeça e parte do tronco no colo da moça. Ela olha-o com um olhar que não consigo distinguir, como se fosse um misto de amor e piedade.
Ele chora.
Ela consola.
Sussurram.
As lágrimas a caírem por sobre sua face e ela numa tentativa, quase que vã, de consolá-lo.
Ele não se envergonha das lágrimas, uma vez que não faz nada para ocultá-las.
Ela de quando em vez olha para os lados, talvez para ver se são observados. Beija-lhe a face. Enxuga-lhe as lágrimas com beijos calmos e serenos.
Continuam a sussurrar.
Depois de uma eternidade (para mim) ele esboça um arremedo de sorriso. Ganha um beijinho na boca.
Tempos depois as lágrimas já não mais existem, ele está sentado, se abraçam, se beijam, sussurram de uma maneira que só os muito apaixonados sabem fazer.
E eu ali.
Olhando tudo por de trás dos meus óculos escuros.
Não tenho dúvida: A maior invenção do homem não foram os ônibus espaciais, avião, computador, bomba atômica.
A maior invenção do homem foram os óculos escuros!



Rua dos Artistas - Puebla - México.
O "movimento" acontece todos os domingos, pela manhã... se tiver oportunidade, não deixe de ir. Fica pertinho do El Parian (Mercado de Artesanatos)