segunda-feira, 2 de abril de 2012

GAVETAS DE CLARICE


Em 2009, quando ainda não carregava esse fardo que me impede de voar, estive no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, para apreciar a exposição "Clarice Lispector - A Hora da Estrela".
A montagem estava impecável, com televisores mostrando os transeuntes da Praça da Luz, a voz de Clarice em sua última entrevista, frases e imagens espalhadas de várias formas, documentos, tudo maravilhoso. Mas o que realmente me encantou foi uma sala onde as paredes foram forradas, literalmente, com 2.000 gavetas. O legal é que somente 65 delas abriam e os visitantes tinham que descobrir os tesouros (frases, livros, documentos, etc.) na imensidão das gavetas.


Não ouso falar sobre Clarice pois não estou à altura de conhecimento para tecer algum comentário. Clarice era Clarice, e só. Não haverá outra.
Mas o que eu quero falar é sobre aquelas paredes de gavetas.
Elas me remeteram à minha memória, que sempre disse ser um punhado de gavetas onde guardo minhas lembranças, imagens, recordações.
Como as gavetas de Clarice algumas estão emperradas, não abrem por mais que eu queira e tente, outras estão sempre abertas e posso acessar pessoas, imagens, fragmentos da minha vida.
Algumas gavetas fiz questão de colocar fora do alcance, talvez para evitar sofrimentos desnecessários.
Mas a mente é “mágico de circo”, quando menos se espera tira-se alguma coisa da cartola, ou seja, uma gaveta inacessível se abre, sem mais, nem menos, e traz uma lembrança que gostaria ficasse escondida.
Foi o que me aconteceu essa noite.
Uma gaveta se abriu e você veio em forma de sombras no meu sonho.
Não me assombrou, apenas continuou acompanhando-me, sombra perene, mesmo depois de o sol se por.