sexta-feira, 16 de maio de 2014

HOJE VAMOS DE CLARICE

É SEMPRE SAUDADE
Clarice Lispector

(by Kátia Corrêa De Carli - Vitória-ES) 
Eu tenho saudades de tudo que marcou a minha vida…
Quando vejo retratos, quando sinto cheiros, quando escuto uma voz, quando me lembro do passado, eu sinto saudades.
Sinto saudades de amigos que nunca mais vi, de pessoas com quem não mais falei ou cruzei. Sinto saudades da minha infância, do meu primeiro amor, do meu segundo, do terceiro, do penúltimo e daqueles que ainda vou vir a ter, se Deus quiser. Sinto saudades do presente, que não aproveitei de todo, lembrando do passado e apostando no futuro. Sinto saudades do futuro, que se idealizado, provavelmente não será do jeito que eu penso que vai ser. Sinto saudades de quem me deixou e de quem eu deixei, de quem disse que viria e nem apareceu;
De quem apareceu correndo, sem me conhecer direito, de quem nunca vou ter a oportunidade de conhecer. Sinto saudades dos que se foram e de quem não me despedi direito; daqueles que não tiveram como me dizer adeus; de gente que passou na calçada contrária da minha vida e que só enxerguei de vislumbre; de coisas que eu tive e de outras que não tive mas quis muito ter; de coisas que nem sei que existiram mas que se soubesse, de certo gostaria de experimentar. Sinto saudades de coisas sérias, de coisas hilariantes, de casos, de experiências. Sinto saudades do cachorrinho que eu tive um dia e que me amava totalmente, como só os cães são capazes de fazer, dos livros que li e que me fizeram viajar, dos discos que ouvi e que me fizeram sonhar, das coisas que vivi e das que deixei passar, sem curtir na totalidade; Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o que, não sei aonde, para resgatar alguma coisa que nem sei o que é e nem onde perdi… Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades em japonês, em russo, em italiano, em inglês, mas que minha saudade, por eu ter nascido brasileiro, só fala português embora, lá no fundo, possa ser poliglota. Aliás, dizem que costuma-se usar sempre a língua pátria, espontaneamente, quando estamos desesperados, para contar dinheiro, fazer amor e clarear sentimentos fortes, seja lá em que lugar do mundo estejamos.
Eu acredito que um simples “I Miss You”, ou seja lá como possamos traduzir saudade em outra língua, nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha. Talvez não exprima, corretamente, a imensa falta que sentimos de coisas ou pessoas queridas. E é por isso que eu tenho mais saudades, porque encontrei uma palavra para usar todas as vezes em que sinto este aperto no peito, meio nostálgico, meio gostoso, mas que funciona melhor do que um sinal vital quando se quer falar de vida e de sentimentos. Ela é a prova inequívoca de que somos sensíveis, de que amamos muito do que tivemos e lamentamos as coisas boas que perdemos ao longo da nossa existência.
Sentir saudades, é sinal de que se está vivo e a vida, mesmo com tantas saudades, depois dos amigos, é o bem maior que possuímos.


Nascida Chaya Pinkhasovna Lispector (em russo  Хая Пинхасовна Лиспектор) numa família judaica, Clarice foi a terceira filha de Pinkhas Lispector e Mania Krimgold Lispector. Natural da Ucrânia desembarca no Brasil com um ano e dois meses, depois da fuga da família da perseguição aos judeus durante a Guerra Civil Russa (1918-1920).
Sempre que era perguntada sobre sua nacionalidade afirmava "Naquela terra (Ucrânia) eu literalmente nunca pisei: fui carregada de colo" e afirmava que sua verdadeira pátria era o Brasil.

Mais dados em breve...

1 comentários:

Vanuza Pantaleão disse...

Clarice, a ucraniana mais brasileira que já tivemos. Tenho saudade de Clarice...