
A “esparrela” (na linguagem da Cris) que passamos até chegar um Calzadilla me fez parar e refletir muito.
Uma vez que Calzadilla não tem nada para fazer, nem ver. É apenas uma rua, vinte e poucas casas, os jovens indo embora, sobrando só os velhos... Fiz que nem o Mauricio, fui arrumar meu inconsciente... Espalhei tudo na cama!
Quando estávamos preparando a viagem fizemos listas das coisas que julgávamos ser necessárias e indispensáveis e, baseadas nestas listas, fizemos nossa bagagem. Mas depois de mais de 400 km de caminhada, muitas coisas deixadas para trás (isso só falando das coisas materiais) e do que despachamos para Santiago, verifiquei que meu conceito de essencial era diferente do conceito de necessário. Quando espalhei minhas coisas e vi o “tiquinho” de bagagem, descobri, realmente, que a gente pode viver com muito pouco. Não estou dizendo que no dia a dia venhamos a viver da mesma forma espartana, mas houve uma época que para ser feliz eu tinha que comprar pelo menos dois pares de calçado por mês... para quê? Se só tenho dois pés!
Para vocês terem uma idéia, vejam a lista do que iniciei a jornada e a que fiquei reduzida:
Remédios que levei
- Elixir Paregórico
- Polaramine
- Colírio
- Sorine
- Relaxante muscular
- Novalgina
- Tilatil
- Polvilho antisséptico
- Atadura
- Micropore
- Curativos de diversos tamanhos
- Emplastro sabiá
- Mercúrio
- Plasil
- Pomada antiinflamatória para bolhas
- Gel para contusões
- Vick
- Algodão
- Álcool
- Cotonete
O que ficou:
- Polaramine
- Relaxante Muscular
- Tilatil
- Micropore
- Curativos
- Pomada
- Gel
- Algodão
- Álcool (deixei para trás o meu e comprei um novo, chamado Álcool de Peregrino)
- Cotonete
- Betadine (Remédio espanhol próprio para bolhas, à base de iodo)
Produtos de Higiene/Toucador:
- Protetor solar
- Protetor íntimo
- Escova de dente
- Creme dental
- Fio dental
- Sabonete
- Hidratante para corpo e rosto
- Shampoo
- Creme de cabelo
- Desodorante
- Lâmina descartável
- Pente
- Baton
- Lápis para olhos
- Fitas e adereços para cabelo
- Perfume
- Papel higiênico
- Sabão de coco
- Tesoura
- Cortador de unha
- Estojo de costura
Reduzi a:
- Protetor solar
- Escova de dente
- Creme dental
- Fio dental
- Sabonete
- Desodorante
- Lâmina descartável
- Pente
- Baton
- Lápis para olhos
- Papel higiênico
- Tesoura
- Cortador de unha
- Estojo de costura (fiquei só com a linha e agulha)
Outros artigos
- 1 saco de dormir
- 1 toalha (minúscula)
- Lanterna pequena
- Bússola
- Canivete
- Protetor de Ouvido
- Fósforo
- Elástico com ganchos
- Pregador de roupa
- Fronha
Permaneceram:
- 1 saco de dormir
- 1 toalha (minúscula)
- Lanterna pequena
- Bússola (porque não era minha, senão ia para o espaço)
- Canivete
- Protetor de Ouvido
Roupas:
- 1 par sandálias Havaianas
- 1 par de botas
- 1 par de sapatos mocassim
- 3 sapatilhas de algodão
- 2 pares de palmilha
- 2 pares de meia soquete
- 4 pares de meia de algodão
- Tornozeleira
- 3 Camisetas
- 4 Camisas de malha manga curta
- 3 Camisas de malha manga longa
- 2 calças helanca para ginástica
- 3 conjunto lycra (top e bermuda)
- 3 soutiens
- 5 calcinhas
- 1 saia
- 1 blusa
- 2 vestidos
- 1 capa de chuva de plástico
- 1 capa Anorack
- 1 casaco Suplex
- 1 calça Suplex
Em Calzadilla eu tinha:
- Sandálias Havaianas
- Tênis comprados em Burgos
- 4 pares de meia comprados em Burgos
- Tornozeleira
- 1 camiseta
- 3 camisas de malha manga curta
- 1 camisa de malha manga longa
- 2 calças helanca para ginástica
- 2 conjunto lycra (top e bermuda)
- 2 soutiens
- 3 calcinhas
- 1 vestidos
- 1 capa de chuva de plástico
- 1 capa Anorack
- 1 casaco Suplex
- 1 calça Suplex
Foi, então, que descobri, que posso viver sim, e muito bem, com muito pouco... e ser feliz...
Mas a lição maior me veio da compreensão do verdadeiro significado de compartilhar. Como diz a palavra “partilhar + com”, no Caminho, depois do episódio do arroz doce, decidi rever meus conceitos e aprender. É muito fácil sermos caridosos dando ao outro aquilo que nos sobra. Alguém bate-nos à porta e doamos um prato de comida, um pacote de biscoito... doamos o que nos sobra. No Caminho aprendemos a doar aquilo que pode nos faltar. Foi lá que aprendi o verdadeiro significado de compartilhar e de caridade. Quando todos estão imbuídos pelo mesmo espírito, você encontra um companheiro de jornada, seja conhecido ou desconhecido, e ele está numa situação que necessita do único comprimido para dor que você tem. Em nenhum momento você pensa que esse comprimido pode lhe fazer falta lá na frente, você doa. É um irmão necessitado, e só isso importa. A certeza de que alguém lhe proverá a necessidade, se surgir, é tanta, que a gente não pensa duas vezes.
Das muitas lições que aprendi, talvez essas tenham sido as mais importantes:
- Precisamos de pouco para viver, a necessidade do muito surge do desejo de ser igual ou melhor que o outro, surge da comparação e não da essência.
- Caridade não é dar o que lhe sobra, mas dar, de coração, de acordo com a necessidade do outro, seja algo material, seja um pouco de tempo, seja um ouvido fraterno, seja um ombro amigo.