Era uma mulher resolvida. Autoritária, até. Tinha tudo muito bem encaixado na sua vidinha “mais ou menos”: ora era mais, ora parecia menos, mas nada que trouxesse grandes questões existenciais. Era feliz. Também não conhecia nada além daquele mundinho em que vivia.
Tudo em sua vida era planejado e calculado.
Porém a paixão que surgiu, numa idade em que não se vivem mais paixões, pegou-a desprevenida e deixou-a sem chão.
Marcelo, 10 anos mais moço, também apaixonado, era tudo o que ela sonhava de um homem e nunca ousara sequer pensar que existisse. Gostava de música clássica, fazia declarações, mandava músicas, fazia poemas, gostava do pôr-do-sol, trocava energia com as palmas da mão, dava carinho depois do amor... era o homem perfeito.
Talvez por ser mais jovem, fosse mais impetuoso e impaciente. Daí jogou tudo para o alto – família, emprego, estabilidade – para viver esse grande amor, que ele jurava ser único, eterno, que nada neste mundo mudaria.
Falavam de almas gêmeas, um completava a frase (às vezes até o pensamento) do outro.
Outras vezes nem palavras eram necessárias.
Foram tantas as declarações que Leda acabou acreditando que era mesmo especial.
Porém havia um problema: assim como Marcelo, Leda era casada, tinha filhos, vida estabilizada e, diferente dele, na hora H acovardou-se.
Marcelo se foi... e ela ficou só, vivendo da recordação desse amor. Da crença que acontecesse o que acontecesse esse amor seria eterno, pois era diferente, especial. Marcelo havia dito isso tantas vezes, de tantas formas, que ela não podia duvidar. Fez disso sua verdade absoluta e dessa verdade fez sua vontade de viver e esperar pelo futuro.
Anos se passaram... Outros amores vieram, para ele. Ela permaneceu fiel ao “Amor Eterno” a Marcelo, apesar de continuar casada e viver mais ou menos, porque agora ela sabia que existia um paraíso e que ele era acessível para pessoas corajosas.
Até que um dia ele apareceu novamente, década depois.
O Amor de Leda permanecia intacto e ainda covarde... mas Marcelo era outro e ela não percebeu.
Tentou encontrar nele o seu Amor proibido, meteu os pés pelas mãos, como só as mulheres muito apaixonadas ou muito loucas sabem fazer.
Marcelo suportou algumas intromissões, algumas cobranças, até algumas presenças...
Mas um dia o pote transbordou... para ele era cobrança demais...
E só então ela descobriu que nunca havia sido especial, tampouco inesquecível, que o que era para ser eternamente há muito havia chegado ao fim... ela não era mais nada, tudo não havia passado de um engano!
Marcelo queria-a longe de sua vida... Tudo isso dito sem meias palavras e em negrito.
Ele conseguiu de um só golpe o que o irmão tentara a vida inteira: convencê-la da sua incapacidade, inadequação, inferioridade.
Primeiro veio o torpor.
Ficou meio que anestesiada, não era com ela... não podia ser com ela. Como poderia mudar assim? E as cartas que ela ainda guardava? Era tudo mentira? Onde estavam as verdades, nas palavras de outrora ou nessas de agora?
Depois quis morrer. Arquitetou o suicídio. Não haveria de ser intempestivo como o dos homens, que estouram miolos sem nem se preocupar com quem vai limpar a sujeira e se vai estragar as feições (muito embora nestes anos houvesse aprendido a lidar com armas de fogo, para uma eventualidade, nunca se sabe). Poderia ser com barbitúricos, tinha uma gaveta cheia, vinha acumulando fazia tempo, era mais glamouroso e indolor. Mas como explicar aos filhos e marido e amigos: “Matei-me porque um amor que nem já era meu não me quer mais nem em forma de esperança”? Não dava... Suicídio sem explicação é dupla covardia.
Depois se lembrou da amiga que odiava as músicas cantadas em velórios e que havia decidido deixar pronta a trilha sonora de seu enterro (nunca se sabe quando essas mortes covardes e repentinas chegam, é melhor estar prevenida) e ela nem trilha sonora tinha... só a música Coming Around Again da Carly Simon (porque falava de coração partido) e Iris do filme Cidade dos Anjos... ambas por causa de Marcelo...
Lembrou-se também de ter lido na internet que quem quer mesmo se matar não pensa, se mata.
Daí desistiu.
Tentou ter raiva... mas não conseguiu, ainda transbordava de amor, apesar das palavras duras e do negrito.
Foi só no terceiro dia que as lágrimas chegaram... mas como explicá-las se a vida continuava a mesma, se os filhos continuavam com saúde e encaminhados na vida, o marido atencioso? E elas teimaram em aparecer logo num dia em que o casal tinha um compromisso que nenhuma dor de cabeça poderia justificar a ausência.
Então veio a velha desculpa: caiu shampoo!
Leda foi para frente do espelho, lembrou-se da avó e passou o batom carmim. Dizia a avó: Quando se está triste tem que desviar a atenção das pessoas e nada melhor que vermelho vivo.
Vestiu-se com apuro, também de vermelho, maquiou-se e fez sua entrada triunfal.
Sorriu, foi gentil, riu das piadas de sempre, agradeceu os elogios...
Seu rosto e sorriso permaneciam intactos (anos de experiência na arte da simulação a haviam preparado)...
Ninguém nunca saberia que sua alma tinha mais pedaços que o bolo oferecido, que por sinal ela recusou, seria comemoração demais!
Tudo em sua vida era planejado e calculado.
Porém a paixão que surgiu, numa idade em que não se vivem mais paixões, pegou-a desprevenida e deixou-a sem chão.
Marcelo, 10 anos mais moço, também apaixonado, era tudo o que ela sonhava de um homem e nunca ousara sequer pensar que existisse. Gostava de música clássica, fazia declarações, mandava músicas, fazia poemas, gostava do pôr-do-sol, trocava energia com as palmas da mão, dava carinho depois do amor... era o homem perfeito.
Talvez por ser mais jovem, fosse mais impetuoso e impaciente. Daí jogou tudo para o alto – família, emprego, estabilidade – para viver esse grande amor, que ele jurava ser único, eterno, que nada neste mundo mudaria.
Falavam de almas gêmeas, um completava a frase (às vezes até o pensamento) do outro.
Outras vezes nem palavras eram necessárias.
Foram tantas as declarações que Leda acabou acreditando que era mesmo especial.
Porém havia um problema: assim como Marcelo, Leda era casada, tinha filhos, vida estabilizada e, diferente dele, na hora H acovardou-se.
Marcelo se foi... e ela ficou só, vivendo da recordação desse amor. Da crença que acontecesse o que acontecesse esse amor seria eterno, pois era diferente, especial. Marcelo havia dito isso tantas vezes, de tantas formas, que ela não podia duvidar. Fez disso sua verdade absoluta e dessa verdade fez sua vontade de viver e esperar pelo futuro.
Anos se passaram... Outros amores vieram, para ele. Ela permaneceu fiel ao “Amor Eterno” a Marcelo, apesar de continuar casada e viver mais ou menos, porque agora ela sabia que existia um paraíso e que ele era acessível para pessoas corajosas.
Até que um dia ele apareceu novamente, década depois.
O Amor de Leda permanecia intacto e ainda covarde... mas Marcelo era outro e ela não percebeu.
Tentou encontrar nele o seu Amor proibido, meteu os pés pelas mãos, como só as mulheres muito apaixonadas ou muito loucas sabem fazer.
Marcelo suportou algumas intromissões, algumas cobranças, até algumas presenças...
Mas um dia o pote transbordou... para ele era cobrança demais...
E só então ela descobriu que nunca havia sido especial, tampouco inesquecível, que o que era para ser eternamente há muito havia chegado ao fim... ela não era mais nada, tudo não havia passado de um engano!
Marcelo queria-a longe de sua vida... Tudo isso dito sem meias palavras e em negrito.
Ele conseguiu de um só golpe o que o irmão tentara a vida inteira: convencê-la da sua incapacidade, inadequação, inferioridade.
Primeiro veio o torpor.
Ficou meio que anestesiada, não era com ela... não podia ser com ela. Como poderia mudar assim? E as cartas que ela ainda guardava? Era tudo mentira? Onde estavam as verdades, nas palavras de outrora ou nessas de agora?
Depois quis morrer. Arquitetou o suicídio. Não haveria de ser intempestivo como o dos homens, que estouram miolos sem nem se preocupar com quem vai limpar a sujeira e se vai estragar as feições (muito embora nestes anos houvesse aprendido a lidar com armas de fogo, para uma eventualidade, nunca se sabe). Poderia ser com barbitúricos, tinha uma gaveta cheia, vinha acumulando fazia tempo, era mais glamouroso e indolor. Mas como explicar aos filhos e marido e amigos: “Matei-me porque um amor que nem já era meu não me quer mais nem em forma de esperança”? Não dava... Suicídio sem explicação é dupla covardia.
Depois se lembrou da amiga que odiava as músicas cantadas em velórios e que havia decidido deixar pronta a trilha sonora de seu enterro (nunca se sabe quando essas mortes covardes e repentinas chegam, é melhor estar prevenida) e ela nem trilha sonora tinha... só a música Coming Around Again da Carly Simon (porque falava de coração partido) e Iris do filme Cidade dos Anjos... ambas por causa de Marcelo...
Lembrou-se também de ter lido na internet que quem quer mesmo se matar não pensa, se mata.
Daí desistiu.
Tentou ter raiva... mas não conseguiu, ainda transbordava de amor, apesar das palavras duras e do negrito.
Foi só no terceiro dia que as lágrimas chegaram... mas como explicá-las se a vida continuava a mesma, se os filhos continuavam com saúde e encaminhados na vida, o marido atencioso? E elas teimaram em aparecer logo num dia em que o casal tinha um compromisso que nenhuma dor de cabeça poderia justificar a ausência.
Então veio a velha desculpa: caiu shampoo!
Leda foi para frente do espelho, lembrou-se da avó e passou o batom carmim. Dizia a avó: Quando se está triste tem que desviar a atenção das pessoas e nada melhor que vermelho vivo.
Vestiu-se com apuro, também de vermelho, maquiou-se e fez sua entrada triunfal.
Sorriu, foi gentil, riu das piadas de sempre, agradeceu os elogios...
Seu rosto e sorriso permaneciam intactos (anos de experiência na arte da simulação a haviam preparado)...
Ninguém nunca saberia que sua alma tinha mais pedaços que o bolo oferecido, que por sinal ela recusou, seria comemoração demais!
7 comentários:
Olá Kátia,
Conforme a resposta que te deixei em meu Blog, eis o texto de Mário Quintana:
Das Viagens
O encanto de viajar está na própria viagem.
A partida e a chegada são meras interrupções num velho sonho atávico de nomadismo.
Por outro lado, dizem todas as religiões que estamos apenas de passagem no mundo. E isto é que faz querermos tanto a esta vida passageira.
Um abraço,
Jorge Elias
www.jeliasneto.blogspot.com
Acho que tá na hora de vc planejar seu terceiro filho literário... =P
Beijo!!
Oi, Katita.
Mais uma vez passo por aqui...
Kátia
Anônima, eu?
Tá bom....Maluquice do blog, rssssssssss (ou eu fazendo algo errado, rs)
Bjo,
Kátia
êta prima..que história!!!!
Beijocas!
Quem sabe um dia ele descobre que a verdade esteve o tempo todo nas cartas antigas?
Nada como um vermelho para esconder uma alma em pedaços. Ah, essas mulheres... e como você as descreve bem. Excelente, querida!
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