Há tempos penso em escrever-lhe... tanta coisa acumulada dentro de mim, tanta coisa a contar com a certeza de ser compreendida, tanta coisa... mas, é que passo muito tempo escrevendo longas cartas para ninguém e também, como diz a música, “uns versos, depois rasgo”, daí perdi o ritmo, perdi a maneira, perdi.
Sabe, queria de contar das minhas perdas, mas talvez a pessoa que você é hoje achasse mesquinharia eu falar de perdas uma vez que cremos em reencontro, reencarnação, em vidas passadas. Mas despedir dói (ainda dói).
Contar, quem sabe? da passagem de um livro que me emocionou que dizia: “As lembranças emergem no presente intemporal do amor, no louco espaço onde uma mulher e um homem são tudo para passar imediatamente a outro espaço onde já não há mais nada, onde os direitos terminam, onde a intimidade desaparece para ser guardada a chave no baú das recordações, na arbitrariedade dos amantes onde de um minuto para outro o nada se instala. Por que não conheci você antes...?” (SERRANO, Marcela. O Albergue das Mulheres Tristes) e perguntar o que você acha, com certeza você me falaria de amores, filosofia, mundos paralelos.
Mas queria mesmo saber o que você está lendo, voltar a ler os mesmos livros, escrever nas margens e depois comparar as impressões. Esses dias estava relendo Castañeda e lembrei de você, numa passagem em que Don Juan diz:
- Pero, ¿cómo sabe usted cuándo no tiene corazón un camino, don Juan?
- Antes de embarcarte en cualquier camino tienes que hacer la pregunta: ¿tiene corazón este camino? Si la respuesta es no, tú mismo lo sabrás, y deberás entonces escoger otro camino.”
Mas no momento certo você se encontrará Don Juan (talvez já o tenha encontrado). Mesmo assim fiquei a perguntar-me: será que naufragamos por haver coração demais em nossos caminhos?
Queria também te contar das viagens que fiz pelo mundo, das coisas que vi, das inúmeras vezes em que sozinha, estive com você, em todos os lugares que sonhamos estar juntos. E não foi triste... foi como se eu visse cada coisa, cada paisagem, através do seu olhar. Foi um grande aprendizado.
Queria te contar que aprendi a ouvir música, por longo tempo, de Kevin Kern a música erudita, em silêncio, deixando que as notas invadam minha alma e me alimentem de som, como você me ensinou, mas sinto saudade de, encostada num portal qualquer, cantar:
“Bem que se quis / Depois de tudo / Ainda ser feliz / Mas já não há / Caminhos prá voltar / E o quê, que a vida fez / Na nossa vida? / O quê, que a gente / Não faz por amor?... / A minha estrada corre / Pro seu mar... “
Sabe, este final de ano não quero me encher de resoluções, nem promessas, nem esperanças... quero apenas saber que escolhi um caminho com coração, mesmo que esse caminho deixasse para trás a parte mais bonita de mim.
Não há mais lugar para pular sete ondas, chupar romã, comer lentilhas ou usar essa ou aquela cor... não espero muito mais da vida, estou satisfeita com o que tenho. Sonhos? Sim, ainda sigo sonhando e buscando realizá-los. Não desisti de viver, desisti sim, de correr atrás do impossível, desisti de sofrer pelo que não tenho, pelos caminhos que não escolhi.
Fiz minhas escolhas e isso me basta. Talvez porque ainda acredite que haverá um dia... um lugar... quem sabe outra encruzilhada?
Se sou feliz?
Devolvo com outra pergunta: Existe alguém verdadeiramente feliz?
Só uma coisa gostaria de ainda saber: como está você? Como tem sido sua vida? Continua crendo e buscando o amor em outras bocas e outros corpos?
Conseguiu enfim apagar-me da sua memória?
Se conseguiu, poderia ensinar-me?
Hoje e sempre,
Eternamente
Leda