Estella - Convento de Santo Domingo
Chegamos a Estella (eu aos trancos e barrancos). Tivemos que esperar do lado de fora, numa fila, pois o albergue só abria tipo 15 horas. Mas a recepção calorosa dos hospitaleiros Carlos e Maria Cruz, atenciosos, sorridentes, solícitos, foi algo tão diferente e inesperado, que todo o cansaço se esvaiu. Para completar ainda encontrei uma médica, Lourdes, que cuidou das minhas bolhas, cortou as peles mortas, fez curativo, fantástico! Albergue 5 estrelas! Tem até espaço com cama para massagem!
Estella - Albergue
Bem, não é por eu ter feito trilha, o Caminho, que deixei de ser urbana. Isso ficava cada vez mais evidente quando eu chegava numa cidade. Podia estar morta, mas era só tomar um banho que estava prontinha para ir para a rua.
O Carlos até brincou com a gente dizendo que reconhecia as brasileiras depois do banho, pois ao chegar todos chegam estafados, mas as brasileiras não dispensam um batom e um passeio! Verdade! Deixei muita coisa no meio do caminho, mas meu batom e meu lápis de sobrancelha, nem morta!
Depois de socorrida saímos para um passeio.
Estella surgiu em 1090, em função do Caminho, como povoado de estrangeiros (artesãos e comerciantes) para atender aos peregrinos, que, a cada dia, aumentavam. Povinho esperto! Seguem fiéis à tradição. É considerada, ainda hoje, uma das cidades que melhor atendem aos peregrinos, além de possuir construções, igrejas, parques belíssimos.
O interessante foi que os beliches do albergue eram de casal! Ou seja, tínhamos que dormir dois a dois (rs), apesar de ter bastante espaço entre um colchão e outro, e tinha até roupa de cama. A Cris quase matou o povo de rir fazendo malabarismos para subir e dizendo pertencer ao Cirque du Soleil!
Parêntesis 1: Quando eu fui me desfazendo das coisas que pesavam, eu dei meu travesseiro e o creme hidratante para o Mauricio, acontece que toda vez que eu me sentia triste, machucada, ele me deixava dormir com o travesseiro... ou seja, Mauricio, além de anjo da guarda, passou a carregar um pouco do meu fardo também. Nem precisa dizer que eu usava o creme quase todos os dias e dormia de travesseiro também (rs)!
Novamente encontramos com a Maria do Carmo, Osmar e Ademir, mas como eles chegaram tarde, dormiram em colchões no chão. Foi uma ótima noite, apesar dos romanos!
Mas como tudo tem um depois... a manhã seguinte foi barra! Doía tudo! Levantar foi um sacrifício! Porém o percurso até Los Arcos era considerado fácil, só 21,3 km (eu já estava rindo das distâncias). O Mauricio ficou fazendo hora e eu e a Cris saímos na frente.
Monastério de Irache
Eu sabia que naquele dia passaríamos pela famosa Fuente del Vino. Avisei ao Mauricio para prestar atenção. E fomos nós... tínhamos certeza que ele logo nos alcançaria.
Passamos por Ayequi e é aí que mora o perigo. Na saída deste pequeno povoado existem duas opções de trilha, uma passa pela fonte, a outra leva direto a Azqueta. A macaca velha aqui tinha estudado direitinho e pegamos a trilha da esquerda. Logo avistamos o Monastério de Irache e chegamos à Fonte.
É muito linda e interessante. De um lado tem uma torneira que sai água e do outro uma que sai vinho, e vinho bom! Eles só pedem para que bebamos o que quisermos, mas que não levemos, pois é para servir a todos os peregrinos. Pegamos nossas videiras (grandes conchas) e começamos a tomar vinho. Devia ser umas 9 da manhã... mas como eu sentia muita dor pensei, vou tomar vinho que a dor passa.
Resolvemos esperar pelo Mauricio... e nada. E mais vinho... e Mauricio? Nem sombra! Quando cansamos de esperar e estávamos repletas de vinho, resolvemos deixar um bilhete para ele, ainda colhemos uma papoula e deixamos junto e seguimos viagem. Assim, meio ziguezagueando...
Irache - Fuente del Vino
Tínhamos andado um pouco quando “topamos” com o Osmar fazendo o caminho inverso. É claro que chamou nossa atenção e perguntamos o que tinha acontecido. Ele, muito p... da vida disse que tinha tomado o caminho errado e ido parar em Azqueta. Daí resolveu voltar até a fonte (mais ou menos 4 km) porque ele ia ficar com mais raiva ainda se não voltasse. Como já estávamos alegres mesmo, rimos bastante e imaginamos que o mesmo deveria ter ocorrido com o Mauricio.
Azqueta - Maria do Carmo, Eu, Pablito, Cristina, Ademir e Osmar
Chegando a Azqueta, logo nas primeiras casas, está a humilde casa de Pablito “el de las varas”. Ele nasceu naquela casa, ali viveu toda sua vida, sempre ajudando aos peregrinos que passam, que necessitam de um cajado, de um “dedo de prosa”, um café quentinho. Figura lendária do Caminho, Pablito se ofendeu quando Maria do Carmo tirou da carteira uma nota de R$1 para dar-lhe, ele achou que ela estava pagando pelo cajado, daí eu expliquei que era moeda de pouco valor, que era uma lembrança. Ele tem um carimbo próprio para imprimir seu selo às credenciais. Depois da foto, seguimos adiante por um longo trecho de trigais, sol a pino, nem uma arvorezinha...
Caminho Villamayor de Monjardin - Los Arcos
Até que chegamos num lugarzinho com uma sombra, um riacho, pedras (diz a Cris que foi o Anjo dela que providenciou, e eu acredito), sentamos, tiramos os sapatos, mergulhamos os pés na água, descansamos... mas a Cris estava preocupada porque algumas de suas unhas dos pés pareciam estranhas.
Chegamos cedo a Los Arcos. A primeira coisa que nos chamou atenção foi a quantidade de botas do lado de fora do albergue.
O albergue era cuidado por um casal de belgas (Tony e Cristina) que determinavam que lugar de botas e chulé fosse do lado de fora. Fiquei fã deles!
Mauricio e as botas - Los Arcos
Voltamos a encontrar o Mauricio e também a Helenice. O albergue era dividido em pequenos quartos com dois beliches cada, então ficamos os quatro.
A igreja é belíssima, toda em ouro (muito provavelmente do Brasil) e as pessoas fazem questão de mostrar todos os detalhes aos turistas.
Igreja de Santa Maria (Séc. XV) - Los Arcos
Mauricio se prontificou a cuidar dos meus pés e Cris e Helenice saíram para fazer nossas compras para a noite e dia seguinte.
Parêntesis 2: Tanto eu quanto a Cris tínhamos levado vestidos de liganete (não riam, era moda!), então, quando a cidade era melhorzinha a gente colocava nossas Havaianas e os tais vestidos. A Cris estava com o dela. Não tinha dado 5 minutos e de repente vejo a Cris entrando esbaforida no albergue.
- Que aconteceu? Pergunto,
- Os homens parecem que nunca viram uma mulher de vestido, parece que vão me comer, quero minha roupa de peregrina...
Mudou de roupa e saiu outra vez.
Do lado de fora do albergue tinha umas mesas, com bancos e todos nos sentamos para lanchar. Um grupo de senhores austríacos, suíços e franceses nos convidaram a sentar com eles. E toma vinho daqui, vinho dali. Só um deles entendia espanhol, daí era tradução simultânea. Lá pelas tantas, começaram a falar de cerveja e a se entenderem na linguagem dos “borrachos”.
Mauricio ficou tomando vinho e possuído pelo Espírito Santo, falando em línguas estranhas.
Eu e a Cris fomos dormir.
12 comentários:
Nossa, Kátia!
Um relato mais interessante que o outro, se assim posso dizer.E que imagens!
Pois é, sendo sonho ou pensamento, sua mente captou "uma vibração", estava em sintonia com a minha e ganhar uma Prece de quem pisou e vivenciou O Caminho é uma Dádiva.
Deus te abençoe, amiga!!!
Ate travesseiro o Maurício teve de carregar pra você?
Cadinho RoCo
leio bem devagar teus posts, quero sentir tambem um pouquinho de tudo o que vc relata. Amo teu blog. Gosto muito de vir aqui.
Sempre tudo de bom pra vc.
Maurizio
Só vc mesma pra me fazer rir a esta hora da noite...
Que bom q vc está postando mais e mais.
Continue assim, tá?
Bj
K.
Coitado do Maurício...rsrsrs
E tadinha da Cris que quase foi engolida.. por conta do vestido..hehe
Cara, achei interessantíssimo a fonte do vinho e da água.. muito interessante. Eu imagino que todo mundo demora mais lá do que em qualquer outra parte da viagem..rs
Adorei a foto da igreja também.. nossa, fico fascinada com teus relatos, meu bem..
Um beeeeeeeijo pra você, linda.
Aos poucos a união entre os amigos peregrinos se tornava mais pura, verdadeira e intensa.
De coração agradeço a Katia e Cris pelo pouco de vinho que me trouxeram, infringindo a recomendação.
Não se trata apenas do vinho, que era bom, e sim da história e todo o seu simbolismo.
BRIGADÚuuuuuuuuu.
"Era só eu tomar um banho que eu ficava prontinha". Vc é doida, isso sim! Mulher, fiz postagem nova. Aperte a tecla "Page Down" e pare onde bem lhe aprouver. Se tiver interesse em mais coisas, volte outro dia, pois o post não vai sair de lá.
Um abraço,
Renata
wwwrenatacordeiro.blogspot.com
No final do post, há uma casinha, um banquinho, depois quem quiser pode ir ao meu castelo.
Você 'roubou' vinho pro Mauricio?! Esse detalhe vc omitiu?! Não sei se rio ou se brigo! hahahahahah (primeira opção!)
Beijos mineiros!
=*
quando li sobre o batom, pensei: e como ela acha estranho eu dizer que não me desfaria do travesseiro e do creme... eis que depois, surge a resposta... vc não se desfez... tadinho do Maurício rsrs
Aliás, por falar nele... finalmente o que aconteceu? ele pegou o caminho errado? e perdeu a fonte de vinho? que lástima... rsrs
Eita mulher retada de peregrina meu Deus!
Pô Kátia um dia ainda faço esse caminho.
Belas fotos e um texto convidativo!
bjs
O Sibarita
Obrigado por ter visitado o meu jardim e pelas palavras muito amáveis que por lá plantou.
Séculos existem, que ando para ir a Compostela a Pé ... de onde partiu, que caminho tomou ?... Todos os anos vou a S.Tiago... Todos os anos como grande mariscada no mercado de Vigo... mas sempre de pó...pó.
Me dá a informação...
Agora fiquei mesmo agarrado aos seus escritos. Vou correndo colocar um link, para a volta ser mais rápida.
Abraços
Abraços
..que vestido é esse??..rs
Uma das coisas que mais receio é esse de desencontros com alguem que for do grupo ou mesmo errar o caminho...
Postar um comentário